quinta-feira, 26 de junho de 2008

Diário do Draft - Parte Um

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil, e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Acredito que a história começa com um garoto brincalhão que eu conheci em São Paulo e que queria ir aos Estados Unidos jogar basquete. Ele tinha por volta de dois metros, super atlético e nascido com uma tremenda cara-de-pau. Ele aparece na minha casa um dia em julho de 2002 com uma fita sua jogando basquete. Antes que eu tivesse a chance de dizer que estava com pressa e tinha que ir embora, o garoto põe a fita no meu videocassete e aperta play.

Duas horas depois eu estou sentado no meu sofá impressionado. O garoto brincalhão não é lá muito bom, mas ele pode correr como o vento e saltar como... o vento pode saltar? Você entendeu. Eu sugeri a ele que fizesse atletismo.

Entretanto quase despercebido na fita do garoto está um armador que é fora-de-série. A sua habilidade é quase inacreditável, como uma lenda do streetball. Eu realmente não posso descrevê-lo de outra forma que não fora-de-série. Fora-de-série e de algum universo desconhecido. Uma forma alienígena de basquetebol, diferente de que eu já havia visto antes.

Na minhas memórias, eu cresci na África quando o basquetebol africano era como um evento de atletismo: pura correria o jogo inteiro e a maioria dos jogadores (exceto por mim, claro) eram velozes. O jogo era cheio de erros porque a maioria de nós não tinha muita habilidade ou orientação. Contudo, nada nos impedia de correr pra cima e pra baixo da quadra numa perigosa velocidade. Portanto, eu já vi um pouco de basquete em alta velocidade.

Então eu perguntei ao moleque brincalhão, quem era o garoto com braços longos? "Ah, este é meu antigo colega de equipe do Palmeiras, em São Paulo", ele disse. "Ele é bom. Ele não é lá muito bom armador porque só quer saber de ir pra cesta. Mas ele é um lateral e tem um arremesso estranho, ainda assim não tenho certeza se ele pode jogar bem numa universidade americana. É um salto muito grande em relação ao Brasil".

"Não, não é", eu disse. Basquete universitário nos EUA é uma merda. Eles são um bando de moleques que não sabem arremessar. Leandrinho pode jogar na NBA. Não existe algo tão rápido na NBA. E ele domina a bola de basquete como se tivesse presa numa corda".

O garoto brincalhão responde, "bom, ele tem uma média de apenas dez pontos por jogo no Brasil. Se ele tivesse nível para jogar na NBA, teria que marcar muito mais pontos. O basquete brasileiro não é assim tão bom".

Ele estava certo, mas eu não ia debater questões relativas aos erros e acertos da liga brasileira. Não com esse garoto.

Em pouco tempo, eu estava em um restaurante em São Paulo com o irmão de Leandrinho, Artuto, e sua mãe dona Ivete. Arturo é um pouco maluco, mas no bom sentido. Nós nos demos bem imediatamente. Dona Ivete é mais tranquila, bem-vestida e pronta para falar de negócios. Numa primeira impressão, você não pensaria que ela é uma massagista, mas sim uma formada em administração de Harvard.

Arturo começa dizendo, "Eu sonhei por anos que você ia aparecer aqui. Sonhei por anos que um americano ia vir e reconhecer o talento do meu irmão e lavá-lo para a NBA".

"Uou! Calma. Vamos parar por aqui. Eu não sou americano. Deixemos isso claro", eu disse. "Seu irmão é realmente talentoso e eu gostaria de tentar ajudá-los".

Nós passamos os dias seguintes organizando fitas cassetes que eu levaria para vários pessoas envolvidas com basquetebol. Dessa organização saiu a fita de lances (mixtape) de Leandrinho. Naquele momento eu não tinha nem idéia que essa fita se tornaria quase uma lenda e o ajudaria a ser draftado para a NBA.

Acelerando a fita alguns meses. Leandrinho está marcando 28 pontos por jogo e oito assistências, além de chutar 48% da linha de três pontos. Ele está sendo matador para sua equipe de Bauru no campeonato brasileiro.

Meses passaram. Um contato meu tentou levar Leandrinho para um colégio nos Estados Unidos. Na verdade, essa iniciativa chegou somente ao ponto de falar com o técnico de LeBrown James em seu colégio em Akron, Ohio. O técnico recusou, com medo que as autoridades do basquete colegial em Ohio suspeitariam se ele aparecesse com um intercambista jogador de basquete depois de LeBrown. Acho que as autoridades já o perturbaram muito a respeito do Rei (LeBrown) que viera.

Entra Ron Harper e seu manager, ex-namorado de Halle Berry e a cara do Charles Barkley. É sério. Eu fiquei olhando porque não podia acreditar no que via. Eu só posso achar que Halle curtiria Barkley. Você deveria tentar, Charles. Ron olha a fita de lances de Leandrinho e anuncia que Leandrinho tem que jogar. Na NBA. E gora!

Nenhum comentário: