segunda-feira, 28 de julho de 2008

Diário do Draft - Parte Cinco

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Nós estamos em Nova York. A cidade. Na verdade, estamos longe dos limites da cidade, em um arborizado suburbio em que nada acontece. Eles nos levaram em primeira-classe, algo inédito para Leandrinho. Conforme nós sabemos, o Knicks tem um outro nível.

No treino, quem aparece é Reece Gaines e um armador magrelo da Universidade de St. Johns. Reece fala de um boato que o agente de Kirk Hinrich enlouqueceu quando soube que Leandrinho estaria no treino em Nova York e tirou seu cliente de lá.

Assistindo ao treino, contundido, está a estrela do Knicks, Antonio McDyess. Ele nos cumprimenta com seu grande sorriso. Sem dúvidas, ele está ali entre os caras mais legais da Liga.

O treino se torna uma batalha entre Leandrinho e Gaines. A terceira aposta é o garoto de St. Johns. Leandrinho está acabando com os dois. Gaines não é assim tão bom. Ele era bom na universidade, mas fora do sistema universitário, ele não impressiona. No fim das contas, ele não ficou na NBA muito tempo.

Frustrado pelo brasileiro habilidoso, Gaines começa a jogar sujo. Quando Leandrinho vai para a bandeja, Gaines o acerta forte na cintura. O treino vai bem até este ponto. Tendo machucado sua cintura outra vez, o brasileiro reduz o ritmo e se arrasta até o fim do treino. Nós deixamos o centro de treinamento cabisbaixos, principalmente Leandrinho, que leva consigo uma pilha de gelo em volta da cintura.

O problema é que ele tem outros dois treinamentos nos próximos dois dias. Eu pergunto a Leandrinho o que ele quer fazer. Sempre competitivo, a resposta é simples. "Eu quero jogar. É pra isso que eu vim para os Estados Unidos. Eu vou me esforçar. Esta é minha chance na NBA e eu não vou desistir tão fácil. É um regresso muito grande jogar no Brasil e eu não vou desistir sem lutar".

E com isso, nós entramos na nossa limosine, adiante para o aeroporto e a cidade de Memphis. No hotel em Memphis, nós dois desabamos. Mais tarde eu acordo e vou dar uma caminhada. O hotel está no mesmo prédio que um hospital para crianças com câncer. Quando tomo o elevador para o lobby, encontro uma jovem família. A criança está careca. Eu imagino o pior. Momentos como este fornecem melhores perspectivas para as dificuldades de qualquer um. Eu percebo que as coisas vão dar certo para Leandrinho. Ele é um talento incrível. Alguém na NBA vai perceber isso e vai dar-lhe uma chance, mesmo que agora ele pareça estar numa onda de azar. O fato é, as coisas poderiam estar muito piores que estão. Nós dois poderíamos estar compartindo o destino daquele garotinho no elevador.

Quando eu chego perto de voltar para o hotel, eu me perco. Tantos hotéis em tão poucos dias, eu estou desorientado. Estou no quinto andar esta noite ou no décimo-quinto? 1553 ou 1535? 513 ou 531? Eu deveria ir na recepção perguntar, mas confiante no meu senso de direção masculino, eu acredito que possa achar meu quarto por minha conta. Eu não encontro.

Uma hora depois, eu encontro.

Como descobrimos depois, os Grizzles não pagam pelo café-da-manhã, o que realmente me afeta, pois eu caprichei na primeira refeição da manhã. Quando nós chegamos ao Rhodes College, onde os Grizzlies fazem seus treinos, me deparo com uma mesa mal-organizada de café-da-manhã com pasta de amendoim, geléia e bagels. Normal, para nossos padrões, mas definitivamente baixo-nível comparado com tudo que a gente já viu nesses últimos dias. Com todo o respeito, ao lembrar que o time acaba de mudar-se para Memphis, eu tenho a sensação de que estou de volta ao Brasil. Não parece a NBA.

Eu me viro pra encontrar o fisioterapeuta do time, que mais tarde provará ser essencial para o treino de Leandrinho. Ele ouve meu sotaque e percebe que sou canadense. Ele me pergunta de onde eu sou. Eu digo Ottawa. No fim das contas ele é de perto de Renfrew County! Renfrew é uma cidadezinha próxima de onde o inventor do basquete James Naismith nasceu e cresceu. Eu destaco que fomos nós em Ottawa que inventamos o jogo e que os americanos deveriam estar agradecidos. Ele dá uma olhada para ver se alguém está ouvindo e concorda de coração. Aconteceu de ele estar com a equipe em Vancouver e então ter que mudar para Memphis. Não querendo desmerecer Memphis, porque eu adoro costelinhas e rock'n'roll, mas poucas cidades podem competir com a beleza e qualidade de vida que Vancouver oferece. Eu duvido que, tendo nascido em Ontario, este cara sequer imaginou terminar em Memphis.

O fisioterapeuta, cujo nome eu acho que era Scott, faz sua mágica. O músculo da cintura de Leandrinho está aquecido e pronto para o que der e vier. Nós vamos para a quadra. Na outra cesta, eu vejo Dwyane Wade arremessando com Troy Bell e um molecão da Universidade de Duke. Eu troco cumprimento com Bell e vou direto para Wade.

O momento que eu estava esperando.

Eu já chego intimando. "Hey. Você. Que merda vocè andou falando sobre o Leandrinho? Que você detonou ele no treino em Golden State. Você tá de brincadeira? Você enterrou uma vez em cima dele quando ele veio ajudar do lado oposto e agora você vem falar prum jornalista que você detonou no treino? Porque essa foi a única vez que você levou a melhor sobre ele."

"Essas não foram minhas palavras, cara", diz Wade. "Eu não disse isso. Eu não sei de onde essa matéria saiu. Essas não foram minhas palavras. Essas não foram minhas palavras".

O que eu posso dizer?

Eu acredito nas palavras de Wade e vou procurar um buraco para me enfiar.

O treino vai bem, na medida do possível. A cada parada no jogo, Leandrinho vai para a mesa de alongamento para alongar-se. Ele está claramente com dores. Mas ele se supera e joga bem. Ele arremessa bem. Ele defende bem. Em determinado lance ele prega um arremesso de Bell na tabela com seu cotovelo. É impressionante.

Enquanto Leandrinho dá seu melhor, o técnico Hubie Brown está muito pouco impressionado. O velhote interrompe o treino e detona as potenciais futuras escolhas do draft. "O que vocês pensam que é isso, seus panacas? Vocês pensam que são muito bons para Memphis?", ele grita. "Vocês pensam pensam que Memphis não é bom e portanto vão jogar como um bando de preguiçosos? Vocês pensam que podem vir aqui e desrespeitar a equipe técnica?". Ele continua reclamando sem parar, como apenas um velhote pode fazer. Seu linguajar não é apropriado para o TreuHoop. Muito palavrão.

Mas o discurso tem efeito. Os jogadores estão mordidos. Leandrinho não estava escutando, esperando como antes a oportunidade de ir para a mesa de alongamento mais uma vez. Não importa. Leandrinho estava levando Memphis tão seriamente como qualquer outro treino. Memphis na NBA ainda era um grande melhora em relação às ligas estaduais na terra natal, Brasil.

No final do treino, Jerry West aparece e se apresenta. "Olá, sou Jerry West", ele diz.

"Não me diga", eu penso com meus botoões.

"Diga a Leandro que ele foi abençoado por Deus".

Viro para trás e traduzo para Leandro. Ele responde em português, "Ah, certo. Hmm, que velinho gente boa."

"Ah, inclusive ele é um dos melhores da história da NBA, portanto é realmente legal ele te dizer uma coisa dessas", eu respondo numa bela risada.

Enquanto West abençoa Leandrinho, eu não posso deixar de pensar que esses treinos mostram uma pequena parte do que Barbosa pode fazer em um jogo. Se ao menos eles pudessem vê-lo jogando no Brasil no ano passado. Agora os times da NBA estão tendo uma lasca do que o garoto realmente pode fazer.

É um pensamento depressivo. Eu tenho que organizar meus pensamentos. Eu tenho mais testes psicológicos com o médico do time. Uma vez mais, a tradução dos textos demora uma eternidade. E então tem um pergunta-e-resposta com o psicólogo. Eu olho meu relógio. Estamos a ponto de perder nosso vôo para Boston. Num momento clássico durante as perguntas, Leandrinho vira pra mim e diz, "responde o que você quiser, só para parecer que nós estamos respondendo as questões, e vamos falar do tempo ou algo assim, e então você pode responder ao psicólogo".

Mentalmente exausto depois do irritante exame, corremos atrás de uma maneira de chegar ao aeroporto. Talvez nós percamos o avião.


quinta-feira, 24 de julho de 2008

Diário do Draft - Parte Quatro

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Enquanto esperamos que o almoço seja servido, eu me sento no sofá de Chris Mullin e falo sobre hockey com o sujeito.

"Quer uma cerveja?", ele pergunta.

Eu ouvi dizer que ele era um alcoólatra em algum momento da sua vida. E eu não sei bem o que responder. Eu não digo nada. Ele não diz nada.

Meu time, o Ottawa Senators, está jogando contra o New Jersey Devils pelos playoffs. Sendo um cara de Nova York, Mullin naturalmente torce para os Devils. Para alguém que tornou-se um fã de basquete nos anos 80, toda aquela situação é incrivelmente bizarra e surreal. Mullin é um cara legal, mas é bastante normal. Surge em mim uma sensação que toda aquela idolatria aos jogadores é um pouco babaca, nada contra Chris.

Mullin me oferece uma cerveja de novo. Desta vez ele fala que está só brincando.

Um tempo depois entram Mike Dunleavy Jr e Jiri Welsch. Welsch é um grande fã de hockey, torcendo para os Senators também, porque o time conta com alguns tchecos amigos seus. Junior termina por mudar de canal para um jogo de basquete. Eu ameaço um protesto, mas então me dou conta que esses caras são jogadores de basquete afinal de contas.

De qualquer maneira, os Senators acabam perdendo. Como eu esperava. Mullin de brincadeira oferece cerveja outra vez. O que acontece? Eu tenho vontade de dizer que adoraria uma cerveja boa, gelada e trincando.

O almoço está servido. Nós assitimos um pouco de basquete e então voltamos para o hotel com Junior. Para um cara que é constantemente criticado pela mídia e pelos fãs na Bay Area, estou impressionado pela auto-confiança dele.

Nós passamos o resto do tempo dando uma olhada em São Francisco a pé. Seguimos para um internet café e eu faço uma entrevista por email para o nbadraft.com para leandrinho. Tudo está bem. Estamos prontos para o próximo treino em Seattle.

Chegando em Seattle, Dwane Casey nos recebe no aeroporto. Ele é tão gentil que é difícil acreditar que ele está sendo sério, mas eu acho que ele está.

Leandrinho tem essa coisa na cabeça que ele precisa levar seu jogo um nível adiante. O palco está pronto. Depois de fazer o check-in no hotel, eu vejo Kirk Hinrich, estrela da Universidade de Kansas, andando pelos corredores. Surpreendentemente, Leandrinho conhece ele, tendo recentemente assitido uma derrota sua para o Syracuse no torneio da NCAA. Ele impressionou-se com Hinrich, mas não ficou nada intimidado. Leandrinho não se impressiona muito como basquete universitário. O treino também inclui Chris Thomas, de Notre Dame, e Tru Bell, do Boston College. Nós todos nos reunimos para comer com o staff dos SuperSonics uma noite antes do treino, e então, eu me vejo tendo que fazer mais testes psicológicos. É um teste difícil. É em inglês e nem mesmo eu consigo entendê-lo.

Resumindo, Leandrinho acaba com todo mundo no treino. É um puta massacre. Sob os olhares atentos do presidente da rede Starbucks e manager dos SuperSonics, Leandrinho acerta todos os arremessos. Supera todos os defensores quando vai para a cesta. Faz passes mirabolantes para os companheiros no dois-contra-dois. É um show.

Ele envergonha Hinrich tanto que Hinrich se perde completamente. Em determinado momento, Leandro dá um cross-over e a estrela do Kansas cai de costas. Ele perdeu sua concentração. O resto do treino é uma lavada.

Depois do show, chega Sue Bird. Wow. Vida longa a WNBA. Leandrinho põe mais atenção na loira que está com ela, Lauren, da Austrália. Brasileiros amam loiras. Eu acho que esta é uma generalização que vai além do limite.

E então o momento decsivo acontece. Enquanto Leandrinho descansa após o treino, o fisioterapeuta do Sonics vem e pergunta para ele voltar à quadra e fazer um teste de sprint. Sem pensar, Leandrinho volta à quadra.

Eu não gosto da idéia. "Ele acaba de relaxar. Você acha necessário correr agora?", eu pergunto ao fisioterapeuta. "Oh, será muito rápido. Não há problemas em ele correr", responde."Bem, eu acho melhor ele alongar de novo. Ele não pode correr o risco de se machucar", eu digo.

Eu viro para Leandrinho e digo, "você precisa alongar de novo, só para ter certeza que você ficará mais solto".

"Não, eu estou bem, eu posso ir", diz o brasileiro.

Leandrinho vai e estira seu músculo do quadril. Muitos testes de agilidade com o médico da equipe, e nós estamos sentados na sala de recepção esperando para voltar ao hotel. Leandrinho tem um saco de gelo no seu quadril. Nate McMillan chega e descompromissadamente brinca, "Espero que você não possa treinar para nenhuma outra equipe! Você jogou muito bem hoje. Espero que você jogue conosco".

No desenrolar dos fatos, Leandrinho se torna um ponto de contenção para os Sonics. Algumas pessoas no staff querem ele, outras não. Draftá-lo ou não draftá-lo. No fim, fico sabendo que eles escolheram um garoto local chamado Luke Ridnour, por questões de marketing, me dizem.

Fazendo justiça, quando perguntado por um jornalista sobre o draft, Dave Pendergraft dos Sonics assumiu que, "o único jogador que nós estávamos receosos de não draftar era Leandro Barbosa. Ele pode tornar-se alguém muito especial na Liga".

Mais tarde cruzei com Dwayne Casey quando ele estava com os Tiberwolves e ele confirmou a história, dizendo que foi um debate acalorado entre o staff do Sonics no dia do draft. Casey tornu-se um fã imediato de Leandrinho, e diz que lutou muito para tentar convencer seus colegas a draftar o brasileiro. A medida que falava com Casey, poderia dizer que ele se lembrava desse momento com riqueza de detalhes.

O vacilo de Seattle foi o lucro do Phoenix, como podemos ver agora. Não que Luke Ridnour seja um rejeitado. Ele é um bom jogador de basquete, simples e direto. Entretanto, eu diria (assim como outros o fizeram) que ali não ficou claro quanto Leandrinho cresceria como jogador de basquete. E aí reside a diferença entre dois atletas. Ao arriscar-se com Leandrinho, os Suns fizeram uma aposta: All-Star ou Segunda Divisão.

Logo depois de Seattle, nós estamos em nosso "porto seguro', o Cleveland Athletic Club em Cleveland, Ohio. Leandrinho machucou o músculo do quadril. Os médicos falaram que ele precisa descansar e parar de jogar por um determinado período de tempo. Nada bom. Nós passamos todos os dias tratando do seu quadril. Enquanto isso, o irmão de Leandrinho está no telefone do Brasil, recebendo alguns conselhos de remédios caseiros para curar a contusão de Leandrinho.

A história toma um caminho tipicamente brasileiro agora. Depois de um longo telefonema com Dona Ivete, Arturo começa a despejar uma lista de pedidos. "Nós temos que ir ao cemitério. Temos que rezar pelos mortos a nos ajudar a superar obstáculos", diz Arturo. Eu não digo nada.

Mais tarde, no cemitério, eu hesito em sair do carro, preferindo deixar a aventura de Leandrinho e seu irmão por conta de sua própria reza. Mas minha ausência é logo notada e eu sou convocado a rezar também.

Muita reza depois, meu pequeno grupo é re-inspirado a voltar à batalha do pré-draft. Nos dias seguintes, a combinação de tratamento médico e todas as rezas para as almas dos mortos do cemitério de Cleveland ajudam Leandrinho a superar o quadril dolorido. Olhando o calendário, o próximo treino que é possível Leandrinho participar é com o Detroit Pinstons. Então, seguimos para Detroit.

Enquanto dou uma olhada no vestiário dos Pinstons, entra Willie Green. Pelo amor de Deus, eu penso. Não esse cara outra vez. Green não é um bom oponente para um jogo um-contra-um ou dois-contra-dois. O garoto é duro feito prego, brigador como garotos americanos podem ser. Ele é a definição de atleta. E ele está acertando arremessos sem parar.

Hora ruim para o brasileiro. Depois de outra surra, eu espero que Leandrinho esqueça o episódio rapidamente e siga adiante. Green não errou um arremesso sequer da linha de três pontos em todo o treino. Não sei as estatísticas dele, mas duvido que ele tenha ido para a Universidade de Detroit se ele sempre arremessasse a bola como o Larry Bird. Com todo o respeito a Detroit.

Talvez o momento mais interessante do dia foi ouvir o um velho funcionário do Pinstons. Ele me diz que tem 90 anos. Está envolvido com basquete desde sempre. Quando pergunto sobre o jogador sensação da Europa, Darko Milicic, sua resposta é impagável: "Não quero saber contra quem ele jogou na Europa. Vamos ver se ele pode jogar com garotos negros".

Nós mais tarde encontramos com o presidente do Detroit Pinstons Joe Dumars. Ele é um dos caras mais legais do mundo do basquetebol -- uma ex-estrela que há muito deixou o passado para trás. O tipo de pessoa que, se você não conhece muito sobre a NBA, jamais lhe ocorreria que ele foi uma grande estrela.

Dumars se mostra um fã de Leandrinho dizendo "Eu vi você jogar. Eu realmente gostei do seu jogo. Você se dará bem nessa Liga". Simples palavras de sabedoria. Depois do treino, fomos comer com o staff dos Pinstons. Do primeio ao último, a equipe dos Pinstos foram descolados.

A medida que deixamos o refeitório para tomar nossa limosine para o aeroporto, o velho funcionário dos Pinstons lança mais uma. "Willie, espero ver você aqui de novo com os Pinstons. Não vai acontecer, mas deveria e isso é uma pena. Continue jogando, filho".

A história provou que o velho homem estava certo. O então super-observado Green desde então construiu uma bela carreira na NBA.

Nesse período eu me deparo com um clipping onde as palavras de um jornalista dizem que Dwyane Wade detonou Leandrinho no treino do Golden State Warriors. Eu não posso acreditar no que leio. Eu reli só para ter certeza e começar a ficar furioso. Wade pode ter superado meu colega brasileiro algumas vezes, mas ele não estava nem sequer no mesmo nível em termos de habilidades naturais no basquete. Leandrinho pode driblar e arremessar melhor que Wade jamais pôde, e isso foi mostrado para todos em Golden State.

Eu preparo uma nota mental para confortar Wade da próxima vez que eu vê-lo, que será em breve.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Diário do draft - Parte Três

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Em Chicago, Leandrinho foi vítima da estrela da Universidade de Detroit Willie Green. Não é nada engraçado. Green é mais forte, mais duro e salta mais alto. Ainda por cima, Leandrinho ainda não consegue acertar os arremessos. Green parece não errar nenhum.

De volta ao vestiário, preparando-se para ir ao aeroporto, nós relembramos os momentos relevantes dessa experiência nos Bulls. Eu me impressiono com o fato de que Leandrinho estabeleceu o recorde em "foot speed test" que os Bulls deram aos jogadores ao longo dos últimos 16 anos. Eu deduzo que esses recordes incluem Michael Jordan.

Leandrinho se impressiona com a mística de Michael Jordan/Bulls, e às vezes tem que fazer um teste para saber se não é um sonho o fato de estar fazendo um teste para os ex-campeões mundiais Chicago Bulls. Retornamos dos sonhos assim que aparece o então jogador dos Bulls Fred Hoiberg.

Ele está pelado.

Eu nunca fui muito fã de conversar com gente pelada, mas sejamos justos, Hoiberg veio nos falar de um modo simpático e compreensivo, então eu gentilmente traduzi a conversa para o Leandrinho e, depois do papo, é hora de ir. Mas não sem antes ganhar de presente uma bermuda de treino do Chicago Bulls. Eu não sei porque, mas é emocionante. Eu ainda tenho a bermuda, um souvenir do meu breve encantamento pelos Bulls.

Nós seguimos para o aeroporto em uma longa limosine, algo novo para o meu amigo brasileiro. Conforme seguimos, Leandrinho me diz que ele vai dominar daqui para frente. E com um anúncio como esse, eu estou ao mesmo tempo tranquilo e empolgado pelas previsões do que está para vir.

O próximo treino é em Oakland com o Golden State Warriors. Nosso vôo da America West nos leva por uma série de conexões pelo sudoeste afora. Nós terminamos passando algum tempo no aeroporto de Phoenix. Eu me lembro de olhar pela janela daquele refrigerado aeroporto e dizer, "Espero que pelo seu bem você não jogue em Phoenix. Quem gostaria de viver num deserto?"

Em Oakland, Leandrinho me pede para perguntar ao team management se ele pode dar uns arremessos à noite. O ginásio de treino dos Warriors é parte do hotel que nós estamos ficando, então fomos para lá assim que desfizemos as malas. Leandrinho coloca umas cadeiras na quadra para poder driblar ao redor dela antes de chutar. É um dos exercícios mais old-school que existem, algo saído de um porão de igreja há meio século atrás.

Leandrinho dribla pra lá e pra cá, acertando um arremesso atrás do outro. Eu me vejo impressionado com sua incrível habilidade no drible. Não que ele tenha mil e um dribles do And1. O lance é que ele tem completo e total controle da bola quando corre em velocidade máxima.

No outro canto da quadra, um cara alto e branco com um tipo de corte de cabelo militar se aproxima de nós. Leandrinho não tem a menor idéia de quem ele é. Eu lhe digo que ele é o diretor do time, um cara chamado Chris Mullin.

Mais uma vez, nenhuma resposta de Leandrinho. Ele me diz todo o tempo que não assitia muito basquete da NBA quando era garoto no Brasil. Ele estava muito ocupado jogando e fazendo os exercícios que lhe passava seu irmão.

"Hey fellas, estava pensando em me juntar a vocês nos arremessos", diz Mullin.

Eu sou o primeiro a responder, "Claro, por favor". Eu não posso acreditar. Aqui estou eu dando uns arremessos com Chris Mullin, ex-jogador do Dream Team original de Barcelona-92!

Eu cresci na Tanzânia, onde circulavam alguma poucas fitas de basquete da NBA. Minha favorita era sempre a fita que destacava os Run TMC(*), dos Golden State Warrios. Das quadras de Dar as Salaam, eu jamais imaginaria que estaria algum dia arremessando com o "C".

Claro, havia algo acalentador no fato de que Leandrinho não falou nada de Chris Mullin. Ele não estava muito impressionado com o arremesso de Mullin. Mais tarde eu descobri que Mullin também não estava muito impressionado com o arremesso de Leandrinho, o que pode ser um pouco de especulação, mas parece ser a razão pela qual deixou passar a oportunidade de draftar Barbosa. (Você pode imaginar, aliás, Leandrinho no atual time do Warriors?)

Para o treino do dia seguinte, Leandrinho colocou em quadra seu melhor jogo.

Jogando contra Dwyne Wade e Reece Gaines, Leandrinho deixou para trás suas últimas atuações e preparou-se para o momento atual. O atleticismo de Wade destacou-se, mas ninguém arremessou mais nem mostrou mais de pura habilidade no basquete que o brasileiro.

Ele fez, Gaines, o astro de Louisville de bobo uma e outra vez. Em uma jogada em particular, Leandrinho fez um giro em Gaines e escorou com o braço na cintura de Gaines para ganhar mais espaço e ir para a cesta. Gaines pediu falta por nada mas o show já estava posto. Gaines iria depois demosntrar sua frustração atirando Leandrinho no chão. Eu pensei que uma briga iria rolar ali mas, mostrando aquele raro espírito de líder, Wade, mais de uma vez, restaurou a paz. Wade, ficou claro, tem uma maturidade e caráter incomuns.

Depois do fantástico treino, nós fomos para o vestiário. Eu percebi que, diferentemente da maioria dos outros times, os Warriors não deixam os jogadores ficarem com seus uniformes de treinamento. Por alguma razão, ganhar equipamentos da NBA grátis é um grande negócio para futuros milionários. Eu acho que os Warriors crêem que futuros milionários podem pagar pelos uniformes se eles realmente os desejam. Justo.

Conforme Leandrinho se vestia, eu entrei na sala de treinamento. Um Chris Mullin pelado estava entrando na banheira. (todo mundo na NBA está pelado?)

"Causou uma boa impressão", ele disse. "Eu não acreditava na fita que eu vi. As vezes um jogador pode parecer valer uma fortuna na fita mas na vida real o garoto não joga nada. Achei que ele era ainda melhor que nas fitas", disse Mullin.

A tal fita estava se tornando uma lenda.

"Eu não sei o que vocês vão fazer neste fim de semana", acrescentou. "Eu gostaria de convidar vocês para um almoço hoje. Minha empregada é brasileira e ela vai cozinhar alguma comida especial."

"Claro. Nós vamos", respondi.

Você está brincando? Sim, eu vou almoçar na casa do Chris Mullin. Não é grande coisa. Somente passar um tempo com sua família. Nós gostamos de fazer uma reuniãozinha mais ou menos uma vez por mês. Somos bons assim.

Eu nem sequer perguntei ao meu companheiro brasileiro, mas eu tinha certeza que ele não se preocuparia. Na verdade, há um dito brasileiro que se você quer juntar uma multidão, ofereça uma boquinha-livre. Assim que saímos do centro de treinamento no Mercedes Benz bacana de Chris Mullin, eu tive que rir. Era uma longa jornada desde uma lanchonete do Brasil, onde toda essa história maluca começou.


(*) Tim Hardaway, Mitch Richmond e Chriss Mullin