sábado, 11 de outubro de 2008

Onde tudo começou...

Esse vídeo tem tudo a ver com a série que acabou de ser publicada aqui no CortaLuz.

No vídeo você pode ver o figuraça do Arturo, irmão do Leandrinho, e muita coisa que foi dito na série, o irmão mais velho fala no vídeo. Destaque para Carlão, um dos tantos professores anônimos que tocam projetos nesse Brasilzão afora. Professor Carlão foi o primeiro técnico de Leandrinho. Quer dizer, o primeiro professor depois do sargentão Arturo Barbosa.

Vale a pena dar uma olhada e entender um pouco onde tudo isso começou.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Diário do Draft - Parte Dez

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Acelerando a fita, nós acabamos de pousar no Newark Airport em um vôo noturno. Nós dois estamos cansadíssimos. São 7h da manhã ou por aí. Nós estamos exaustos. O branco de nossos olhos está todo vermelho.

Leandrinho tem um treino em duas horas com o New Jersey Nets.

Nós seguimos para o hotel para uma horinha de sono antes de nos encontrarmos com Rod Thorn e cia. Leandrinho não vai treinar hoje. Ele concorda em apresentar-se à equipe dos Nets, na esperança de eles talvez draftarem o brasileiro. Claro, eles querem vê-lo arremassar e correr em quadra. Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, nem Leandrinho irá fazer outro esforço hercúleo de treinar com seu quadril machucado. É isso e ponto.

"Simplesmente diga a eles que não vai acontecer".

"Posso ficar com as bermudas de treino".

"São todas suas".

Depois de passar um tempo contemplando apaixonadamente a nova bermuda dos Nets que eu usaria em partidas desde a quadra de St. Luke em Ottawa, Canadá até as da Associação dos Trabalhadores de Trânsito de São Carlos, eu vou encarar o humor da equipe do New Jersey Nets.

"Leandrinho não vai treinar hoje. Ele não pode. Ele está machucado e exausto de um vôo noturno", digo aos dirigentes ali reunidos. Os Nets não forçam muito a barra. Acho que eles já decidiram quem eles vão draftar [nota do editor, eles escolheram Zoran Planinic] e não valeu muita coisa, o cara que eles escolheram não está mais na NBA.

De qualquer modo, nos pedem que esperemos até que Rod Thorn nos chame para uma entrevista. Mais do mesmo. Nós realmente gostamos do seu jogo e você é um dos jogadores que nós estamos pensando em draftar. Eu me esforcei ao máximo para traduzir, mas Leandrinho não está prestando muita atenção. Eles está flutuando em algum lugar no paraíso de Phoenix que está dentro de sua cabeça, conversando com loiras pernudas e encestando no calor do deserto, cercado de cactus e serpentes.

Fim da entrevista, nós estamos na sala de alongamento. Meu amigo Will veio de Montreal para estar no draft. Nós vamos para o Spanish Harlem para preparar o cabelo de Leandrinho para o draft. Cuidado por um barbeiro da República Dominicana, Leandrinho prepara seu estilo.

Então o Seattle Sonics chama, querendo saber se Leandrinho está interessado em ir para a Europa por um ano. Ele não está nem um pouco interessado. Phoenix na cabeça.

Eu então fico sabendo que Danny Ainge ligou. Suas "fontes" em Phoenix dizem que Leandrinho deu um show em um treino secreto. Pelo que eu pude saber, Ainge ficou muito desapontado. Ele queria que Leandrinho desse esse show em Boston. Saber que o garoto foi ver seus ex-funcionários em Phoenix deve ter incomodado um pouco Ainge. (Claro, ele não soube do quase-milagre que eu tive que fazer para que o garoto treinasse).

A noite do draft finalmente chega, e Leandrinho e eu estamos exaustos.

À medida que o Draft se desenrola, eu recebo a notícia que os Suns e, inesperadamente, o Toronto Raptors estão ligando desesperadamente tentando conseguir uma escolha extra para selecionar Leandrinho. Estamos chocados em ver tanto Suns quanto os Celtics passarem Leandrinho em suas escolhas, dado o nível de interesse que eles mostraram no brasileiro. O primeiro round está quase no fim.

Outro empresário sentado próximo, que representa o argentino Carlos Delfino, chama a atenção para o lado bom de Leandrinho ser escolhido no segundo round. Ser escolhido no primeiro round é uma verdadeira decepção se você é um jogador talentoso. Basicamente, os jogadores escolhidos no primeiro round não podem ser "free agents" nos cinco anos seguintes, o que para muitos jogadores representa boa parte de suas carreiras. Além disso, os empresários não podem alterar muito os contratos daqueles escolhidos no primeiro round porque os salários são mais ou menos pré-estabelecidos pela NBA.

O empresário de Delfino estava dizendo que Leandrinho poderia detonar por dois anos e então conseguir entrar no mercado de "free agent", como Gilbert Arenas e Carlos Boozer. (Este argumento anti-primeiro round veio na minha cabeça mais tarde quando eu li sobre o primeiro adversário de Leandrinho nos treinos, Marquis Daniels. Ele foi para a NBA sem passar pelo draft, mas jogou bem pelos Mavericks e então embolsou um contrato de seis anos e US$ 38 milhões, algo similar ao contrato que Leandrinho conseguiu depois de jogar na Liga por quatro anos.

Mas este não seria o destino de Leandrinho. Depois de esperar quase todo o primeiro round, o San Antonio Spurs escolheu-o na vigésima oitava escolha. David Stern lhe dá um boné dos Spurs que eu ainda tenho em uma caixa em algum lugar do Canadá.

Eu não vejo Leandrinho ser escolhido ou subir no palco para encontrar Stern. Arturo e eu estamos muito ocupados comemorando. Eu praticamente o sufoquei, apertando seu pescoço com as duas mãos enquanto pulávamos pra cima e para baixo. Foi um momento fantástico que eu nunca mais vou esquecer.

Minutos depois estamos em uma suíte fora do auditório do Madison Square Garden, telefonando para a família no Brasil. Ele acaba, na verdade, escolhido pelos Suns usando uma escolha dos Spurs. Os Spurs não tinham interesse no brasileiro. Já feliz em ser draftado, descobrindo que ele era de fato um Phoenix Sun transforma o momento em algo ainda mais inacreditável para Leandrinho.

Seguindo a loucura do draft, ele deveria ter saído e pintado toda a cidade de vermelho. Nós não. Nós fomos para um belo restaurante brasileiro chamado Plataforma, em Manhattan. Para nossa surpresa, o lugar estava vazio esxeto por uma festa já no final. Derek Jeter e um pequeno grupo de amigos estavam celebrando seu aniversário.

Derek Jeter, o melhor jogador de beisebol dos New York Yankees. "Ele é o rei da cidade", digo a Leandrinho. Claro, o brasileiro não tem idéia de quem ele é e não tem o menor interesse em conhecer o Rei Derek. Ele está mais interessado em servir-se do churrasco, carne, porco, carneiro, coraçãozinho de frango, medalhões de frango envoltos em bacon, queijo, e claro, os tradicionais arroz com feijão brasileiros. O clássico rango do Brasil.

Quando nós terminamos de comer, Leandrinho e eu estamos exaustos e prontos para dormir, Amanhã de manhã estaremos indo para Phoenix, Entretanto, nós prometemos aos caras de William Wesley e LeBron James que iríamos passar no clube 40/40, de Jay-Z, em Manhattan, para uma festa de LeBron.

No clube, Wes é sempre o anfitrião mais agradável. Wes nos leva para dar um oi para Jay-Z.

Neste momento, eu preciso dizer que eu continuo um grande fã do trabalho antigo de Jay-Z, especialmente seu álbum seminal Reasonable Doubt. The Evil é uma das minhas músicas prediletas. Eu ainda posso recitá-la palavra por palavra. O álbum é "off the chain", para emprestar algumas gírias que eu aprendi no centro comunitário de Fairfax, em Cleveland.

Eu estou coçando para gritar e parabenizar Jay pelo seu fantástico trabalho, mas por alguma razão, eu não sou apresentado. Meu amigo Will sim, entretanto. Jay lhe pergunta o que ele fez, e ele responde, honestamente preciso dizer, que ele fabrica equipamentos militares. Jay não sabe como responder. Mas quem sabe? Com isso, eu perco minha oportunidade de dizer "e aí, Jay" e "Reasonable Doubt. Uau! Mudou minha vida". E por aí vai.

Nós então voltamos para o hotel. Minha mente passa pelos acontecimentos que parecem ter sido apenas dias atrás. É claro, este é um dos momentos mais emocionantes da minha vida. Altos e baixos, sem nunca saber bem onde esta montanha russa brasileira iria terminar.

Tendo finalmente concluído nossa jornada, nós podemos relaxar e refletir. Eu me lembro de um momento em Cleveland.

Um dos meus momentos mais marcantes com Leandrinho foi quando ele recebeu seu primeiro par de tênis de basquete logo que ele chegou. A And 1 tinha visto o famoso vídeo e estava convencido de que o brasileiro era "o cara". Eles mandaram caixas e caixas de tênis e roupas da And 1. Era ridículo. Leandrinho estava no mundo da lua.

Foi no momento que ele abriu seu primero pacote da And 1 que eu notei Leandrinho e seu irmão quase chorando. Arturo percebeu que eu tinha notado a lágrima quase escorrendo dos seus olhos e tratou de me explicar porque um simples par de tênis quase levou um militar durão aos prantos. "Nós nunca tivemos muitos tênis em nossa vida", disse Arturo. Devia haver uns dez pares de tênis lá. "Quando Leandrinho era garoto eu sempre quis que ele tivesse bons tênis de
basquete, não aquelas marcas de merda que fabricavam no Brasil. Claro, um bom par de tênis Nike ou Adidas custava um salário inteiro, e nós não estávamos em condições de gastar um mês de trabalho nisso. Então eu passava meus dias de folga buscando latinhas de cerveja e refrigerante nas ruas de São Paulo. Não importava se fazia frio ou calor, eu andaria o dia todo, carregando um saco de plástico grande e marrom e enchendo ele à medida que caminhava. Levava vários meses de fins de semana para juntar dinheiro suficiente para comprar um par de tênis, mas eu fazia isso porque queria que meu irmão tivesse bons tênis".

Ao contar essa história, ele estava meio que sorrindo. Não que a história fosse tão engraçada, eu acho que Arturo estava em estado de choque ao olhar para os lados e ver pilhas de produtos And 1 grátis. Ele devia estar pensando, eu passei todos os meus fins de semana por meses e meses recolhendo latinhas para comprar um par de tênis, quando aqui esses gringos dão essas coisas de graça!

Eu poderia continuar falando de como a história dos tênis And 1 são um grande exemplo da pobreza que Leandrinho confrontou na sua vida, mas eu acho que eu não estaria fazendo jus à montanha que ele subiu para chegar onde ele está agora, na noite posterior ao draft em Nova Iorque.

O que eu posso dizer é isso: Leandrinho, neste momento, independente do que vá acontecer com ele na NBA, é um sucesso. Pelo fato de ter garantido um contrato de rookie, ele tirou sua família da batalha diária que é a vida de um assalariado médio nos chamados países em desenvolvimento. Na minha maneira de ver a coisa, os pobres urbanos de São Paulo vivem uma existência sofrida. Há pouco descanso, quando muito paz. É um círculo vicioso. Você precisa trablhar até a exaustão só para pagar as necessidades básicas, e você não pode nem pensar em economizar para conseguir uma melhor educação para sua qualificação profissional. Não há luz no fim do túnel, não nessa vida, pelo menos. Leandrinho escalou uma montanha difícil, e ele mudou todas as possibilidades para o futuro de sua família. Eles agora têm o seu pedaço do sonho. E é um sonho americano, que calculado de acordo com o valor do câmbio das moedas, vale três vezes o sonho brasileiro.

Um vez mais dividindo o quarto duplo de um hotel em Nova Iorque, nós ficamos acordados conversando sobre todos os fatos das últimas semanas. O pobre brasileiro é agora um milionário, mas a ficha ainda não caiu de verdade. Ele está em estado de deslumbramento.

Tudo que eu posso pensar realmente é dar os meus parabéns. "Obrigado, cara. Obrigado mesmo. E eu realmente agradeço sua ajuda. Eu nunca poderia ter feito isso sem você", o brasileiro agradece de volta. É algo legal da parte dele. Eu também estou curtindo o final bem sucedido para uma iniciativa improvável.

O prmeiro armador draftado do Brasil. Nós fizemos história. Na verdade, Leandrinho fez história, e eu sou mais como uma obscura nota de rodapé.

Quando estava tudo dito e feito, Leandrinho e eu fomos ambos para nossas respectivas casas. Alguns meses mais tarde, nos encontramos de novo em Phoenix e refletimos sobre a longa, estranha e entusiasmante viagem que nós fizemos na caminhada para o draft.

Um momento que ficou na na cabeça de nós dois foi a chance de encontrar a lenda do basquete brasileiro e então estrela o Vasco da Gama, Josuel, no aeroporto de São Paulo, um pouco antes de voarmos para os Estados Unidos. Nos seu auge, Josuel era uma certeza como jogador da NBA. Ele tinha 2m02, podia pular bastante e tinha bom arremesso de qualquer distância. Pense em Amare Stoudemire.

Josuel foi abençoado com uma extravagância atlética que a NBA procura. Eu sei disso porque um executivo do Toronto Raptors me falou que sua equipe, assim como outras da liga, haviam lhe oferecido um contrato em muitas oportunidades.

Eles nunca entenderam porque Josuel rejeitava suas ofertas sucessivamente.

Um ex-companheiro de confiança de Josuel me contou a verdadeira história. Josuel não tinha a menor idéia do que fazer com a oferta de jogar na NBA. A oportunidade o apavorava, até de falar no assunto. Ele mesmo não acreditava que podia jogar na NBA. Ele pensava que todo mundo na NBA era tão bom quanto o Dream Team de 1992 que ele jogou contra em Barcelona. Um certo dia, Josuel machucou seu joelho e perdeu aquele atleticismo que a NBA exigia. Ele nunca mais foi
o mesmo jogador.

Quando o encontramos naquele dia, Josuel estava em decadência na carreira. Conversando conosco no aeroporto, Josuel estava surpreso de saber que Leandrinho estava a ponto de tentar a sorte na NBA. Ainda que de uma outra geração de jogadores brasileiros, de uma maneira indireta, esta era também a tentativa de redenção do prórpio Josuel.

Em Phoenix, depois do draft, Leandrinho disse: "Eu honestamente sinto como eu pudesse dividir meu sucesso com caras como Josuel. Todos os caras do Brasil que tinham o talento mas nunca tiveram a chance".

Encontrar Josuel no aeroporto me trouxe de volta aos tempos na Africa, onde eu também tinha visto muito talento desperdiçado. Eu me lembro de um garoto congolês de 2m02 chamado Jean que apareceu na quadra do Tanesco Electricity. Esta espécie fisicamente fatástica era da tribo Tutsi, nascido em um pequeno vilarejo no remoto coração da Africa. Ele veio viver na Tanzânia depois de ter sido perseguido em seu antigo Zaire, Rwanda, e então no Burundi por causa do
genocídio que estava acontecendo na região.

Jean era um jogador fantástico, nascido para jogar o jogo. Ele era tão atlético que podia fazer o pivô antes do lance-livre, saltar estancado e enterra a bola. O cara dormia em um chão de terra e nunca teve mais de uma refeição por dia e ainda assim parecia um fisiculturista. Até hoje, eu vi poucos atletas como ele. Aos meus olhos, pelo menos, Jean era como uma versão maior de Jason Richardson.

Eu o ajudei a conseguir uma bolsa de basquete nos Estados Unidos mas a imigração dos EUA em Dar não lhe concedeu o visto de estudante.

Ele era bem conhecido pelos norte-americanos em Dar porque eu o levava sempre comigo para os rachas semanais contra os Mariners dos EUA no ginásio da embaixada dos Estados Unidos. Os Mariners sabiam que Jean era um jogador inacreditável, mas o setor de vistos da embaixada dos EUA não estava nem aí.

Na verdade, a equipe de imigração dissa àquela vez que Jean nunca entraria nos EUA. Era tanta má-fé que eu podia me lembrar literalmente da lembrança que Jean tinha daquela conversa. Jean continuou jogando basquetebol, tocando a vida de Dar a Cape Town, África do Sul (mais ou menos a distància entre Boston e Los Angeles), levando um pouco de qualidade à liga profissional de lá.

Morando em um vilarejo, Jean pegou meningite e morreu em três dias.

Coincidentemente, poucas semanas após sua morte, terroristas da Al-Qaeda explodiram uma bomba a embaixada norte-americana na Tanzânia. Eu suponho que a quadra de basquete dos Mariners que nós jogávamos virou fumaça também.

Para tantos da parte miserável do mundo, a vida é muito injusta e repleta de sonhos não realizados. Ao ver a gravação do vídeo de Leandrinho subindo ao palco e apertando as mãos de David Stern, eu me recordo daqueles dias emocionantes na Tanzânia onde as coisas pareciam possíveis para meus amigos. Para mim portanto, Leandrinho, tenha ele consciência
disso ou não, representa um tipo de superstar do mundo pobre.

Ele chegou lá, desde um lugar onde tantas outras pessoas talentosas que nasceram em circunstâncias difícieis não chegaram. É uma coisa tornar-se um ídolo na América do Norte ou Europa, onde um sistema existe para estimular o talento a partir do minuto que ele é identificado. Essas histórias de sucesso são interessantes, mas elas são todas parecidas. Quantos jogadores seguiram a rota para a NBA e Europa por meio de fábricas de basquete como Kentucky ou UNC?

No outro lado da equação estão países como o Brasil, onde a infra-estrutura do basquetebol quase não existe. Enquanto o país produz alguns talentos da NBA ao longo dos últimos anos, o número de clubes no país continua a diminuir. O Continental, onde Leandrinho recebeu suas aulas de basquete, não tem mais um time. Muito talento é perdido no Brasil porque os garotos não têm onde jogar. Em São Paulo, uma cidade de quase 20 milhões de pessoas, existem umas 40 equipes de base. Em comparação, a cidade de Buenos Aires, com umas 10 milhões de pessoas, tem mais de 120 clubes.

FIBA, em sua infinita sabedoria, tem tornado as coisas mais difíceis nos últimos anos, criando regras que torna quase impossível que brasileiros vão jogar na Europa antes dos 18 anos. Vai contra lógica que um jogador de basquete possa aprender e desenvolver seu talento para chegar à NBA. Leandrinho é como um milagre do basquetebol. Ele teve a seu favor praticamente nada, além da ajuda de seu professor maluco de basquete, o irmão Arturo.

No dia depois do draft, Leandrinho e eu nos encontramos com seu irmão Arturo e sua mãe Ivete. Na maioria dos dias, Arturo é um moinho constante de energia e ansiedade. Neste dia, ele estava tomado de paz. Na minha maneira de ver as coisas, seu trabalho estava feito. Ele pode seguir tranquilo o resto da sua vida. O que começou no clube Continental nos subúrbios de Osasco, São Paulo, quando o jovem Arturo decidiu levar seu irmão mais novo com ele para os treinos, terminou sob as luzes ofuscantes do Madison Square Garden, em Manhattan.

Escrevendo essas memórias, eu agora percebo que meu período ao lado de Leandrinho enquanto batalhávamos em sua busca para entrar na NBA foi uma jornada tão intensa quanto quanto eu esperava ser. Ele foi um sofredor que veio, viu e venceu. O conquistador. Chegar lá não foi nenhum conto de fadas, mas no final, nem mesmo Walt Disney poderia escrever um final melhor para a história.

Depois que ele venceu o prêmio de Melhor Sexto Homem, Leandrinho deu uma entrevista a um jornalista brasileiro e me disseram que ele me agradeceu pelo que eu fiz. Todo cão merece seu dia. Eu sabia disso assim como sabia que eu era parte de algo exraordinário. Eu fico extremamente satisfeito de saber que eu pude fazer parte de uma incrível história do esporte.

Quando eu era um jornalista freelancer na Montreal Gazette, meu editor me deu uma grande ajuda me deixando apurar qualquer história excêntrica. Depois que eu entrevistei Chuck Daly no All-Star Game de 2002, na Filadélfia, eu sabia que eu tinha achado algo que algum dia eu escreveria a respeito: Daly comentou que ainda não tinha achado um jogador internacional que fosse tão atlético quanto os tops norte-americanos. De meus tempos de colégio na Tanzânia, eu sabia que haviam atletas incríveis ao redor do mundo. Seis meses depois, eu encontro o famoso vídeo de Leandrinho. Eu me pergunto se Chuck Daly ainda diria isso hoje. Leandrinho e eu mantivemos contato ao longo das primeiras temporadas. A vida segue adiante e nós também, mas eu tenho certeza que nós iremos nos reconectar algum dia por aí e lembraremos daqueles dias em que o destino sabia o que havia reservado para o brasileiro de mão esquerda grande.

domingo, 21 de setembro de 2008

Diário do Draft - Parte Nove

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Na pressa de terminar logo o treino, Leandrinho nem tira seus tênis de andar na rua e nem se preocupa em tirar o seu relógio Adidas. Não é uma vestimenta das mais apropriadas.

Não importa.

Leandrinho vai lá com seu tênis normal, seu relógio de pulso, e tem um daqueles dias que todas as bolas caem. Ele não erra. E em cada exercício, o assistente técnico que comanda o treino acrescenta mais e mais detalhes, com aumento de dificuldade e de velocidade.

O brasileiro tem aquela alegria canina intacta, e acerta um homerun. Os executivos dos Suns não podem disfarçar seus sorrisos. Eles ganharam sua recompensa e parece que eles têm uma boa chance de ficar com o garoto.

Treino terminado, Leandrinho grava uma entrevista, e põe aquele charme que você raramente vê nos atletas. Ele sabe como agir nessa situação e fazer todos gostarem dele. E é isso que ele faz.

Claro que ele ainda está notadamente irritado comigo pela decepção de levá-lo até Phoenix somente para uma entrevista e ao invés disso ter que fazer um treino completo. Não há amor nenhum para o irmão Dole.

Depois de ter tomado banho e estar pronto para ir, nós somos convidados para um almoço. Os Suns querem fazer exames médicos no quadril de Leandrinho nesta tarde, logo ele precisa ficar na cidade um pouco mais de tempo.

Caminahndo pela quadra no subsolo da arena, Griff tenta animar seus convidados. Nós realmente gostamos dele. Exato, nós realmente gostamos muito dele."Então, se ele ainda estiver disponível na nossa escolha, diga a Leandrinho que nós draftaremos ele", diz o cara dos Suns.

Eu imediantamente traduzo essa breve e fantástica notícia - que resume, essencialmente, toda a carreira basquetebolística de Leandrinho até este momento, todos aqueles exercícios sob a insistente tutela de seu irmão-sargento, sem falar os últimos meses de viagens por todo os Estados Unidos tentando impressionar alguma equipe.

Ele nem responde.

Eu tento novamente. "Então, você está ligado que esse cara acabou de dizer que os Suns vão draftar você. Essas são boas notícias, não? Você será um Phoenix Sun", eu digo.

"Sim, claro"

As mais famosas últimas palavras de Leandrinho.

O Alegria Canina nos leva então para um almoço buffet em uma suíte VIP próximo do estádio do Arizona Diamondbacks. Abaixo de nós os Diamondbacks estão jogando um jogo matinal. É bem divertido.

Mas até então nenhum sinal de emoção por parte de Leandrinho. Até mesmo o Alegria Canina está espantado pelo comportamento desinteressado do brasilerio. Nós vamos para o hospital e tiramos raios-x do quadril de Leandrinho. O médico explica que, sabendo que os Suns querem draftá-lo, eles querem ter certeza que ele está em boas condições médicas. Uma lâmpada se acende. De repente, neste momento, Leandrinho se dá conta que pela primeira vez que ele realmente será draftado pelos Suns.

Ele vai de mortalmente sério para um alegria incontida, enquanto a equipe médica dos Suns começa a apalpar, testar, cutucar e tirar raios-x dele.

Parte médica terminada, o Alegria Canina nos leva para um shopping descolado em Scottsdale enquanto esperamos passar o tempo até nosso vôo. Nós saímos do ar-condicionado do hospital para ir direto para o ar-condicionado da van do lado de fora da porta de saída, o que quer dizer que o tempo todo aqui nós estamos envolvidos por ar-condiconados.

Nós ainda não tínhamos sentido o calor de Phoenix.

Enquanto dirigimos para o shopping, eu lembro de um colega de sala de quando eu era garoto que tinha o que eu na época achava ser uma camiseta muito legal.

A frente da camiseta era uma figura de um termômetro, um sol sorridente, e um ovo frito em um pedaço do asfalto. Abaixo do desenho estava a frase, 'eu sobrevivi a 50 graus em Phoenix'.

Fascinado pela idéia de poder cozinhar comida na rua, eu nunca esqueci aquela camiseta ou a cidade de Phoenix. Saindo do ambiente frio de frigorífio que estava dentro da van, eu sou apanhado por uma verdadeira parede de calor quando saio do automóvel.

Eu rio. "O que? Parece brincadeira. Está mais quente que o inferno aqui. Está oficialmente quente pra caramba. Quem pode viver aqui?"

Phoenix não é meu tipo de clima. Nós corremos para o shopping para escapar do calor.

Uma vez dentro, está claro que independente de Phoenix parecer o inferno para mim, para leandrinho a cidade era o paraíso.

Dentro do shopping é um mar de loiras, empilhadas parede à parede, escada à escada. "Este lugar", ele se empolga, "é fantástico! Delicioso. E ainda mais delicioso. Eu gosto dessa cidade, eu realmente gosto desta cidade. É animal que eles queiram me draftar", disse Leandrinho.

Sem brincadeiras, eu ainda acho que Leandrinho gostou de Phoenix mais que as outras cidades por causa da rídicula alta porcentagem de loiras na cidade.

"Mas é tão quente, e ainda nem é verão", eu digo.

"Eu gosto disso", diz Leandrinho, "é um pouco como o clima de Bauru".

"Bauru não tem nada a ver com isso. Eu estive em Bauru e não fica quente desse jeito. Não tem deserto em Bauru, nem perto nem longe", eu respondo.

"Oh, Bauru fica bem quente, você talvez não tenha estado lá em um dia realmente quente", diz o defensor de Phoenix.

Desse momento em diante, não havia como convencer Leandro de outra coisa. Ele estava apaixonado por Phoenix.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Diário do Draft - Parte Oito

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Nós deixamos Cleveland Hopkins Airport no início da manhã, aterrisando em nosso destino um pouco antes da hora do almoço. Nós não tínhamos bem certeza se devíamos mesmo ir para Phoenix, mas eu havia convencido o brasileiro que não haveria basquetebol, apenas um encontro com os Suns.

Sob esta condição, ele aceitou tomar o avião.

O guia do Phoenix Suns, um tipo energético e empolgado, nos pegou no aeroporto. Ele se apresentou e falou de sua personalidade, a qual ele se referiu como de uma alegria canina. Ele é contagiosamente estusiasmado. Falando o tempo todo sobre a tal alegria canina e coisas do tipo. Se alguém precisar de uma ajuda extraordinária, chame pela alegria canina. Membros da alegria canina estarão lá para ajudar.

É hora da alegria canina para Leandrinho.

Ele mal pode andar. Executivos da NBA estão ligando para dizer que ele pode nem sequer ser draftado. Nós acabamos de atravessar o país pela manhã e na última hora, na remota chance dos Suns gostarem dele. Na mídia estão dizendo que os Suns prometeram sua escolha para um garoto sérvio chamado Zarko.

Sem vontade, sem glória.

Nós seguimos para o andar subterrâneo da Phoenix Arena. A quadra de treinos está lá no fundo do prédio. Assim que entramos no vestiário, eu começo a pensar que é uma longa viagem de volta para os campeonatos brasileiros. Não existem piscinas de hidromassagem no ginásio de Bauru. Ou de Franca, Ou de Araçatuba. Ou de Piracicaba. Ou de Analândia.

Assim que entra na sala, Leandrinho está certo de que irá fazer apenas uma entrevista. Ele vê o uniforme de treino que a equipe do Suns deixou paa ele numa cadeira, e me lança um olhar que expressa os tipo de coisas que saiu da boca Hubie Brown lá em Memphis.

"Eu não vou treinar para esses caras", diz leandrinho.

Eu só posso responder com um "Ok".

Eu falo com o sujeito da alegria-canina dos Suns, que me coloca em contato com o dirigente dos Suns, Dave Griffin.

"Dave, eu não sei se houve algum engano, mas vocês estão pensando que podem colocar o cara para treinar e colocá-lo de volta no avião, mas eu acho que Leandrinho não tem condições de treinar. Ele sente muitas dores por causa da lesão no quadril".

Griff diz, enquanto eles o chamam, "Bem, ele não pode treinar só um pouco? Você sabe, dar uns arremessar e esse tipo de coisa. Nada muito acelerado."

Eu vou perguntar a Leandrinho, e tenho que encará-lo. Ele está puto. Ele não me olha. Isso não é bom.

"Você acha que pode dar uma treinadinha? Algo leve?", pergunto, torcendo pelo melhor. Eu não preciso esperar por uma resposta.

"Não tem jeito, Dave", eu digo.

"Mas todos os técnicos estão aqui. Bryan está aqui. Jerry está aqui. Todos estão aqui para ver o garoto. Você acha que nós podíamos tentar alongar um pouco para ver se ele fica mais solto para ir para a quadra?", pergunta Griffin. Eu podia ver na sua expressão que ele realmente queria pôr Leandrinho em quadra na frente de seus chefes. Assim como a equipe do Boston Celtics, ninguém esconde o fato de que ele é um fã. Griffin também provou daquela fita milagrosa.

"Eu vou perguntar", disse-lhe.

"Olha, eu acho que você deveria tentar alongar um pouco e ver o que você pode fazer por eses caras. Eles só querem um treino leve, uns arremessos. Nada sério. O fisioterapeuta vai alongá-lo e você se sentirá melhor", eu digo para Leandrinho. A interpretação educada para aquele olhar em minha direção era "caia fora".

Vale mencionar que Griffin está justo ao meu lado quando temos esta conversa, mas ela toda aconteceu em português. Eu não acho que Griffin entendeu a gravidade da situação. Ele está pensando uma coisa, talvez que Leandrinho e eu estamos discutindo sobre loiras ou morenas, enquanto a verdade é que Leandrinho não tem a menor vontade de treinar para o Phoenix Suns.

Eu estou mais preocupado com Leandrinho arrancar minha cabeça fora. É claro, com seu quadril inválido, eu poderia fugir correndo dele. Talvez. De qualquer maneira, estou numa difícil situação. (E as pessoas pensam que ser um tradutor na NBA é puro luxo e glamour. Deixe-me defazer essa idéia agora mesmo!)

Finalmente, Leandrinho olha para cima, mas não para minha cara, e diz, "Eu vou tentar, mas lembre-se que eu estou fazendo isso por você, seu filho da p...".

(Escute, se Leandrinho chegar a liderar os Suns para a glória do campeonato algum dia, e for colocado na roda da verdade ou como você quiser chamar isso, você talvez devesse colocar um asterísco ao lado do seu nome e nas notas de rodapé mencionar minha heróica proeza de fazer este garoto treinar para os Suns. Ele treinou para os Suns, e ele fez isso porque eu lhe pedi! Escreva isso. Se os fãs dos Suns querem mandar-me presentes em agradecimento, eu não sou tão orglhoso a ponto de devolvê-los. Grana é sempre uma boa maneira de dizer 'obrigado'. Contate Harry.

Vagarosamente, e temerosamente, Leandrinho veste o equipamento dos Suns.


quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Diário do Draft - Parte Sete

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***


“Desculpe. A lei estadual de Ohio não permite vender galinhas vivas”, diz a senhora da barraca de frango no mercado, “mas nós temos sim algumas galinhas orgânicas incrivelmente saborosas. Mortas, é claro. Por que exatamente você precisa de uma galinha viva?”

Eu tomo uma rápida decisão e compro umas galinhas orgânicas. São muito menores que as boas e velhas galinhas alimentadas com esteróides que eles vendem nos supermercados nos dias de hoje, e certamente não passará por uma galinha viva.

Eu a levo para casa para Arturo. Quando eu entro na casa, Leandrinho está coberto de pipoca e gema de ovo. Eu não pergunto nada, ao invés disso me sirvo da pipoca que resta na tigela. Felizmente, Arturo mudou de idéia sobre a necessidade de uma galinha viva. Aparentemente, houve algum erro de comunicação entre nós.


Certamente.


Ele bate o resto dos ovos e prepara a galinha orgânica à milanesa. A saborosa entrada é acompanhada por uma deliciosa salada de espinafre com vinagre e uma pitada de sal, e os tradicionais feijões brasileiros temperados com alho. Arturo ainda não se ligou, ele deveria abrir um restaurante. Nós nos arrumamos para um jantar um pouco mais cedo.


O quadril de Leandrinho leva alguns dias para melhorar, o que parece uma eternidade. O tempo está voando agora e a cada dia perde-se uma oportunidade de treinar em algum time da NBA. Leandro, seu irmão e eu somos um grupo frustrado. O que começou como uma grande promessa está começando a ir por água abaixo.


Arturo faz o que pode para amenizar as coisas, fazendo jantares gostosos para nós e convidando outros jogadores que Leandrinho conheceu enquanto treinou em Cleveland. Um desses caras, Andrew Mitchell, de Kent State, está tendo um grande sucesso na Suécia. Toda vez que eu olho na internet, ele está liderando a liga sueca em pontos e títulos conquistados. Outro cara, Juby Johnson, da Universidade de Miami, Ohio, tem tido grande sucesso vencendo campeonatos nas principais ligas croatas. A saber, outro jogador que estava treinando em Cleveland com Leandrinho durante aquele período foi um pivô de Kent State pouco conhecido chamado Antonio Gates. Os fãs da NFL devem se lembrar dele como um tigh-end recordista pelo San Diego Charges.


Para aqueles que passam pelo ginásio de treinamentos Speed Strenght na Euclid Avenue, em Cleveland, naqueles dias nós éramos uma galera estranha, com jogadores de basquete baixinhos de Kent State e um desconhecido brasileiro. Curioso como todos esses atletas atingiram o sucesso ao redor do planeta, na Suécia, na Croácia, na NBA e na NFL. Poucos apostariam nisso na primavera de 2003
.

Eu tive muito tempo para ver Arturo e Leandro interagirem. Anos depois, eu escutaria suas histórias da boca de Enio Vechi, um ex-treinador da seleção brasileira:

Eu era técnico em um clube chamado Continental, afastado do centro da cidade de São Paulo. É uma área industrial suja, próximo de onde Arturo, sua mãe e família viviam. Arturo tinha cerca de 22 anos quando apareceu um dia e me perguntou se ele poderia treinar com meu time. Ele já estava no exército nesta época e não tinha nenhuma intenção de jogar basquete profissionalmente mas queria uma equipe para treinar porque ele amava muito o basquete. Ele tinha um entusiasmo intenso pelo jogo então eu não podia dizer não. Foi então que nossa amizade começou. Algum tempo depois, Arturo me perguntou se ele poderia trazer seu irmão mais novo para assistir aos treinos. Na verdade, o horário de treino era a hora que ele deveria estar tomando conta do seu irmão, então ele estava juntando o útil ao agradável. Eu disse que não havia problema. Quando aquele garoto de cinco anos apareceu, eu fiquei impressionado como ele era magro. Enquanto Arturo era forte como um touro, Leandrinho parecia um desenho de palitinhos. Ele era realmente esquelético, pura pele e osso com braços realmente longos. Eu não posso dizer que pensei que um dia ele fosse se tornar um jogador da NBA. Em cada oportunidade, Arturo me pedia para mostrar alguns exercícios que ele pudesse ensinar para Leandrinho. E assim começou. Arturo ensinaria um exercício para o garoto, o garoto aprendia e Arturo me perguntava de novo por mais exercícios e assim foi por um longo tempo. A medida que o garoto cresceu, Arturo me pediria para indicar locais para seu irmão treinar. Quando ele tornou-se um adolescente, Arturo e eu tivemos discutiríamos qual time seria melhor para ele jogar. Eu fiz isso porque nós éramos amigos. Eu jamais imaginaria que Leandrinho iria tornar-se o prodígio que ele é hoje. Eu acho que nenhuma pessoa pensava isso. O fato é que o guiou e o incentivou. Graças a perseverança de Arturo, a NBA tornou-se realidade.


Sobre o quadril, nada parecia funcionar. Nós gastamos dias indo de tratamentos médicos e piscinas no clube. O garoto não estava melhorando. Voltar para o Brasil com seu rabo entre as pernas parecia mais possível que nunca.

Leandrinho, Arturo e eu avaliamos as implicações das declarações feitas por Rob Babcock, do Minessota Timberwolves. Como um membro de um comitê da NBA que avalia possibilidades do draft, ou algo do tipo, Babcock ligou para dizer que havia uma grande possibilidade de Leandrinho passaria pelo primeiro round sem ser draftado. É difícil de acreditar nisso, entretanto nós pensamos a respeito. E concluímos no fim das contas que não havia motivo para desistir do draft. Na verdade, era provável que se ele não fosse draftado e não recebesse nenhuma boa oferta da Europa, ele seria o jogador mais bem pago do país, somente pela publicidade ganha na tentativa de entrar na NBA. Então, como Sinatra costumava dizer, era tudo ou nada. A NBA ou o fracasso.

Nós estávamos sentados assistindo a um filme de Jean-Claude Van Damme quando recebemos uma ligação que o Phoenix Suns queriam levar Leandrinho para um treino secreto.

Em qualquer ocasião, Phoenix tinha seus olhos no brasileiro desde que eles viram a famosa fita com seus lances. Eles haviam ligado no início do processo do draft mas nenhuma data de treino pôde ser acertada por conta de conflitos na programação. No quase-último-minuto, então os dirigentes dos Suns a Leandrinho voar para fazer uma entrevista, mesmo que ele não pudesse passar por um treino em quadra. Ou assim nos foi dito.

Posto isso, seguimos para Phoenix.

domingo, 3 de agosto de 2008

Diário do Draft - Parte Seis

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".


Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

No fim, chegamos ao aeroporto com alguns minutos de folga. No fim das contas não foi um problema. Todos os vôos foram atrasaram algumas horas por conta das tempestades.

No aeroporto, nós comemos uma merda qualquer. A comida é ruim mas nós estamos famintos. Uma garota passa enquanto nós comemos. Leandrinho e eu olhamos um para o outro e ele diz em português, "esta não parece uma bunda americana".

A garota vira para nós e diz em português bem brasileiro, "é porque eu sou do Brasil, seu sem-vergonha". Mas ela está sorrindo.

Ela e Leandrinho começam uma discussão sobre a falta do que eles chamam gostosura ("deliciousness") nas mulheres americanas, tendo origem basicamente no que eles concordam ser um gene bunda-murcha do DNA norte-americano. "Elas são puros peitos aqui nos EUA. Grandes, enormes peitos. Como grandes vacas leiteiras. Mas nada de bunda. Eu não entendo. Eu não entendo nem como elas conseguem ficar de pé", exclamou a mulher.

Ela nunca ouviu falar de Leandrinho e não bota muita fé que ele está fazendo testes para a NBA. Depois de uma série de tentativas de convencê-la que a história é legítima, eu desisto.

Leandrinho está com dores. Seu quadril está endurecendo. O gelo não está ajudando. Eu não sei o que nós vamos fazer amanhã, em Boston. As almas dos mortos terão que nos ajudar muito para o Leandrinho ter uma chance qualquer de competir amanhã.

Nós chegamos em Boston as 3 da manhã. É sábado. Um gentil funcionário dos Celtics ficou esperando de manhã cedo para nos dar uma carona até o hotel próximo do centro de treinamento. Estou surpreso com a aplicação. Eu digo ao cara dos Celtics que Leandrinho não poderá estar lá as 9 da manhã. Ele está exausto e com dores. Não é muito justo pedir para ele que se vista e apareça para treinar nessas condições. Leandrinho está implorando comigo para convencer o funcionário dos Celtics enquanto dirigimos para o hotel. Eu tento de todas as maneiras comunicá-lo a gravidade da situação, mas o companheiro não esta nem aí.

"Olha, nós vamos estar em Boston no domingo também. Há alguma chance de termos nossos treinos remarcados?", pergunto.

Responde o cara dos Celtics. "Não podemos fazer tal coisa. Todos os proprietários estarão no centro de treinamento amanhã para ver Leandrinho. É um grande dia de treino para nós. Todos aqui amam Leandrinho."

Wow. Isso é mais complicado que eu imaginava. Os Celtics estão levando o treino muito a sério. De manhã, eu saberia mais.

Dividindo um quarto duplo no hotel, Leandrinho e eu tomamos as devidas precauções. "Sabe, eu realmente não posso treinar. Meu quadril está fudido", comenta Leandrinho.

"Você não acha que pode treinar amanhã, sabe, como foi aquela vez depois que o cara do Memphis fez um pouco de aquecimento", eu pergunto gentilmente.

"Sem chances. Eu tô fora", diz Leandrinho.

Eu me preocuparia com isso, mas nessa hora, eu não posso ficar com os olhos abertos. Eu cochilo e vou para um lugar longe dos Celtics, da NBA, do draft e sua constante ansiedade sobre o que vai acontecer no dia 26 de Junho.

Ao acordar com o som do telefone tocando, eu rapidamente percebo que nós estamos atrasados. O staff dos Celtics já está no lobby do hotel. Eu tiro Leandrinho de sua cama e o ajudo a se arrumar. Ele não está em condições físicas ou mentais para batalhar um treino da NBA. O que eu vou dizer aos Celtics? Eu nem me preocupo em tocar no assunto de o Leandrinho não treinar enquanto dirigimos para o centro de treinamento. Não parece valer muito a pena. Eu vou esperar e ver como estarão as coisas quando chegarmos no ginásio.

O centro de treinamento dos Celtics fica ao lado de uma academia de ginástica, em uma área arborizada algumas milhas fora de Boston. É um belo lugar. Logo na entrada do centro há uma homenagem a Red Auerbach. A organização Boston Celtics é uma história viva. Tantos dos grandes nomes desse esporte foram parte deste time e você sente isso assim que você entra no Celtic-dom.

Do jeito que Leandrinho está, não parece que ele vai ingressar nessa história viva em verde e branco.

Conhecemos alguns outros colegas dos Celtics. Eles estão entusiasmados em ver Leandrinho. Essas pessoas amam ele. Eu percebo que eles também beberam da salvadora, por assim dizer, fita lendária de Leandrinho. "Estou feliz em conhecê-lo. Tornei-me um grande fã seu. Nós temos visto sua fita nos últimos dias", diz um deles.

Eu aproveito a oportunidade para dizer que os Sonics adoraram o brasileiro. Exagerando sutilmente ao dizer que ele ensinou uma lição a Kirk Hinrich em Seattle. Sabendo que os Celtics têm a escolha depois dos Sonics, eu percebo que os homens dos Celtics fazem anotações. Eles provavelmente irão por a mão nos telefones para saber de seus informantes para saber de fato se os Sonics gostaram de Leandrinho.

"Bem, eu espero que ele caia pra gente na 16ª escolha", diz outro chefão dos Celtics. O que está acontecendo aqui? Este cara está falando sério? Os Celtics estão assim tão loucos pelo garoto? Encontrar Danny Ainge confirma que os Celtics são loucos por Leandrinho. Uma vez mais, eu me encontro trocando idéia com uma lenda da NBA. Uma vez mais, Leandrinho nunca ouviu falar do cara.

Ainge implora a Leandrinho para treinar. O garoto resolve dar o braço a torcer. Entretanto, o fisioterapeuta dos Celtics tem outros planos. A medida que ele põe o brasileiro na série de alongamentos, ele diz que não há praticamente nenhuma chance do garoto treinar hoje.

Alguns minutos depois, tendo desistido de tentar alongar o quadril de Leandrinho, o fisioterapeuta nos leva escadas acima para uma bicicleta ergométrica. Sofrendo até para subir os degraus, as esperanças são poucas. Ele não pode nem sequer pedalar a bicicleta. Ainge está conosco mas olha para a quadra e os donos da equipe ali embaixo. Eu posso estar errado, mas parece que ele está chateado pelo fato de que o treino não vai acontecer.

Adiantando mais algumas horas, estamos de volta ao hotel. Leandrinho está chorando. Enquanto ele não mostrou nenhuma emoção durante a tentativa de treinamento, ele desaba pensando em sua maré de má-sorte. O maldito quadril não coopera com seus sonhos. As coisas nunca são tão ruins quanto parecem, entretanto nesse momento as coisas estão muito feias. Nós telefonamos para Arturo. Num verdadeiro espírito militar, ele encoraja seu irmão mais novo a esforçar-se com as palavras eu vim, eu vi e venci. Muito choro depois, o grupo está revigorado para seguir adiante.

Nós estamos outra vez em Cleveland. Fazer o quadril de Leandrinho voltar a funcionar é a prioridade número um e mais uma vez Arturo está no telefone com Ivete no Brasil. Eu não sou familiarizado com a discussão, mas em poucos minutos, Arturo está na cozinha preparando alguns remédios caseiros. Eu decido dar o fora.

Quando eu volto, há uma grande bacia de pipoca e um papelão para ovos. Arturo me pede uma galinha viva. Na situação em que eu estou, acho melhor não fazer perguntas. Se nós precisamos de uma galinha viva para fazer as coisas acontecerem, assim seja. Sempre tive uma fraqueza por soluções médicas homeopáticas, ciência moderna que se dane. Se uma galinha viva pode ajudar a curar um quadril, vamos lá, baby! Assim, eu saio de trem em direção ao famoso West Side Market, de Cleveland, enquanto dançam pela minha cabeça cenas do filme "Sorte no Amor (Bull Durham)".

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Diário do Draft - Parte Cinco

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Nós estamos em Nova York. A cidade. Na verdade, estamos longe dos limites da cidade, em um arborizado suburbio em que nada acontece. Eles nos levaram em primeira-classe, algo inédito para Leandrinho. Conforme nós sabemos, o Knicks tem um outro nível.

No treino, quem aparece é Reece Gaines e um armador magrelo da Universidade de St. Johns. Reece fala de um boato que o agente de Kirk Hinrich enlouqueceu quando soube que Leandrinho estaria no treino em Nova York e tirou seu cliente de lá.

Assistindo ao treino, contundido, está a estrela do Knicks, Antonio McDyess. Ele nos cumprimenta com seu grande sorriso. Sem dúvidas, ele está ali entre os caras mais legais da Liga.

O treino se torna uma batalha entre Leandrinho e Gaines. A terceira aposta é o garoto de St. Johns. Leandrinho está acabando com os dois. Gaines não é assim tão bom. Ele era bom na universidade, mas fora do sistema universitário, ele não impressiona. No fim das contas, ele não ficou na NBA muito tempo.

Frustrado pelo brasileiro habilidoso, Gaines começa a jogar sujo. Quando Leandrinho vai para a bandeja, Gaines o acerta forte na cintura. O treino vai bem até este ponto. Tendo machucado sua cintura outra vez, o brasileiro reduz o ritmo e se arrasta até o fim do treino. Nós deixamos o centro de treinamento cabisbaixos, principalmente Leandrinho, que leva consigo uma pilha de gelo em volta da cintura.

O problema é que ele tem outros dois treinamentos nos próximos dois dias. Eu pergunto a Leandrinho o que ele quer fazer. Sempre competitivo, a resposta é simples. "Eu quero jogar. É pra isso que eu vim para os Estados Unidos. Eu vou me esforçar. Esta é minha chance na NBA e eu não vou desistir tão fácil. É um regresso muito grande jogar no Brasil e eu não vou desistir sem lutar".

E com isso, nós entramos na nossa limosine, adiante para o aeroporto e a cidade de Memphis. No hotel em Memphis, nós dois desabamos. Mais tarde eu acordo e vou dar uma caminhada. O hotel está no mesmo prédio que um hospital para crianças com câncer. Quando tomo o elevador para o lobby, encontro uma jovem família. A criança está careca. Eu imagino o pior. Momentos como este fornecem melhores perspectivas para as dificuldades de qualquer um. Eu percebo que as coisas vão dar certo para Leandrinho. Ele é um talento incrível. Alguém na NBA vai perceber isso e vai dar-lhe uma chance, mesmo que agora ele pareça estar numa onda de azar. O fato é, as coisas poderiam estar muito piores que estão. Nós dois poderíamos estar compartindo o destino daquele garotinho no elevador.

Quando eu chego perto de voltar para o hotel, eu me perco. Tantos hotéis em tão poucos dias, eu estou desorientado. Estou no quinto andar esta noite ou no décimo-quinto? 1553 ou 1535? 513 ou 531? Eu deveria ir na recepção perguntar, mas confiante no meu senso de direção masculino, eu acredito que possa achar meu quarto por minha conta. Eu não encontro.

Uma hora depois, eu encontro.

Como descobrimos depois, os Grizzles não pagam pelo café-da-manhã, o que realmente me afeta, pois eu caprichei na primeira refeição da manhã. Quando nós chegamos ao Rhodes College, onde os Grizzlies fazem seus treinos, me deparo com uma mesa mal-organizada de café-da-manhã com pasta de amendoim, geléia e bagels. Normal, para nossos padrões, mas definitivamente baixo-nível comparado com tudo que a gente já viu nesses últimos dias. Com todo o respeito, ao lembrar que o time acaba de mudar-se para Memphis, eu tenho a sensação de que estou de volta ao Brasil. Não parece a NBA.

Eu me viro pra encontrar o fisioterapeuta do time, que mais tarde provará ser essencial para o treino de Leandrinho. Ele ouve meu sotaque e percebe que sou canadense. Ele me pergunta de onde eu sou. Eu digo Ottawa. No fim das contas ele é de perto de Renfrew County! Renfrew é uma cidadezinha próxima de onde o inventor do basquete James Naismith nasceu e cresceu. Eu destaco que fomos nós em Ottawa que inventamos o jogo e que os americanos deveriam estar agradecidos. Ele dá uma olhada para ver se alguém está ouvindo e concorda de coração. Aconteceu de ele estar com a equipe em Vancouver e então ter que mudar para Memphis. Não querendo desmerecer Memphis, porque eu adoro costelinhas e rock'n'roll, mas poucas cidades podem competir com a beleza e qualidade de vida que Vancouver oferece. Eu duvido que, tendo nascido em Ontario, este cara sequer imaginou terminar em Memphis.

O fisioterapeuta, cujo nome eu acho que era Scott, faz sua mágica. O músculo da cintura de Leandrinho está aquecido e pronto para o que der e vier. Nós vamos para a quadra. Na outra cesta, eu vejo Dwyane Wade arremessando com Troy Bell e um molecão da Universidade de Duke. Eu troco cumprimento com Bell e vou direto para Wade.

O momento que eu estava esperando.

Eu já chego intimando. "Hey. Você. Que merda vocè andou falando sobre o Leandrinho? Que você detonou ele no treino em Golden State. Você tá de brincadeira? Você enterrou uma vez em cima dele quando ele veio ajudar do lado oposto e agora você vem falar prum jornalista que você detonou no treino? Porque essa foi a única vez que você levou a melhor sobre ele."

"Essas não foram minhas palavras, cara", diz Wade. "Eu não disse isso. Eu não sei de onde essa matéria saiu. Essas não foram minhas palavras. Essas não foram minhas palavras".

O que eu posso dizer?

Eu acredito nas palavras de Wade e vou procurar um buraco para me enfiar.

O treino vai bem, na medida do possível. A cada parada no jogo, Leandrinho vai para a mesa de alongamento para alongar-se. Ele está claramente com dores. Mas ele se supera e joga bem. Ele arremessa bem. Ele defende bem. Em determinado lance ele prega um arremesso de Bell na tabela com seu cotovelo. É impressionante.

Enquanto Leandrinho dá seu melhor, o técnico Hubie Brown está muito pouco impressionado. O velhote interrompe o treino e detona as potenciais futuras escolhas do draft. "O que vocês pensam que é isso, seus panacas? Vocês pensam que são muito bons para Memphis?", ele grita. "Vocês pensam pensam que Memphis não é bom e portanto vão jogar como um bando de preguiçosos? Vocês pensam que podem vir aqui e desrespeitar a equipe técnica?". Ele continua reclamando sem parar, como apenas um velhote pode fazer. Seu linguajar não é apropriado para o TreuHoop. Muito palavrão.

Mas o discurso tem efeito. Os jogadores estão mordidos. Leandrinho não estava escutando, esperando como antes a oportunidade de ir para a mesa de alongamento mais uma vez. Não importa. Leandrinho estava levando Memphis tão seriamente como qualquer outro treino. Memphis na NBA ainda era um grande melhora em relação às ligas estaduais na terra natal, Brasil.

No final do treino, Jerry West aparece e se apresenta. "Olá, sou Jerry West", ele diz.

"Não me diga", eu penso com meus botoões.

"Diga a Leandro que ele foi abençoado por Deus".

Viro para trás e traduzo para Leandro. Ele responde em português, "Ah, certo. Hmm, que velinho gente boa."

"Ah, inclusive ele é um dos melhores da história da NBA, portanto é realmente legal ele te dizer uma coisa dessas", eu respondo numa bela risada.

Enquanto West abençoa Leandrinho, eu não posso deixar de pensar que esses treinos mostram uma pequena parte do que Barbosa pode fazer em um jogo. Se ao menos eles pudessem vê-lo jogando no Brasil no ano passado. Agora os times da NBA estão tendo uma lasca do que o garoto realmente pode fazer.

É um pensamento depressivo. Eu tenho que organizar meus pensamentos. Eu tenho mais testes psicológicos com o médico do time. Uma vez mais, a tradução dos textos demora uma eternidade. E então tem um pergunta-e-resposta com o psicólogo. Eu olho meu relógio. Estamos a ponto de perder nosso vôo para Boston. Num momento clássico durante as perguntas, Leandrinho vira pra mim e diz, "responde o que você quiser, só para parecer que nós estamos respondendo as questões, e vamos falar do tempo ou algo assim, e então você pode responder ao psicólogo".

Mentalmente exausto depois do irritante exame, corremos atrás de uma maneira de chegar ao aeroporto. Talvez nós percamos o avião.


quinta-feira, 24 de julho de 2008

Diário do Draft - Parte Quatro

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Enquanto esperamos que o almoço seja servido, eu me sento no sofá de Chris Mullin e falo sobre hockey com o sujeito.

"Quer uma cerveja?", ele pergunta.

Eu ouvi dizer que ele era um alcoólatra em algum momento da sua vida. E eu não sei bem o que responder. Eu não digo nada. Ele não diz nada.

Meu time, o Ottawa Senators, está jogando contra o New Jersey Devils pelos playoffs. Sendo um cara de Nova York, Mullin naturalmente torce para os Devils. Para alguém que tornou-se um fã de basquete nos anos 80, toda aquela situação é incrivelmente bizarra e surreal. Mullin é um cara legal, mas é bastante normal. Surge em mim uma sensação que toda aquela idolatria aos jogadores é um pouco babaca, nada contra Chris.

Mullin me oferece uma cerveja de novo. Desta vez ele fala que está só brincando.

Um tempo depois entram Mike Dunleavy Jr e Jiri Welsch. Welsch é um grande fã de hockey, torcendo para os Senators também, porque o time conta com alguns tchecos amigos seus. Junior termina por mudar de canal para um jogo de basquete. Eu ameaço um protesto, mas então me dou conta que esses caras são jogadores de basquete afinal de contas.

De qualquer maneira, os Senators acabam perdendo. Como eu esperava. Mullin de brincadeira oferece cerveja outra vez. O que acontece? Eu tenho vontade de dizer que adoraria uma cerveja boa, gelada e trincando.

O almoço está servido. Nós assitimos um pouco de basquete e então voltamos para o hotel com Junior. Para um cara que é constantemente criticado pela mídia e pelos fãs na Bay Area, estou impressionado pela auto-confiança dele.

Nós passamos o resto do tempo dando uma olhada em São Francisco a pé. Seguimos para um internet café e eu faço uma entrevista por email para o nbadraft.com para leandrinho. Tudo está bem. Estamos prontos para o próximo treino em Seattle.

Chegando em Seattle, Dwane Casey nos recebe no aeroporto. Ele é tão gentil que é difícil acreditar que ele está sendo sério, mas eu acho que ele está.

Leandrinho tem essa coisa na cabeça que ele precisa levar seu jogo um nível adiante. O palco está pronto. Depois de fazer o check-in no hotel, eu vejo Kirk Hinrich, estrela da Universidade de Kansas, andando pelos corredores. Surpreendentemente, Leandrinho conhece ele, tendo recentemente assitido uma derrota sua para o Syracuse no torneio da NCAA. Ele impressionou-se com Hinrich, mas não ficou nada intimidado. Leandrinho não se impressiona muito como basquete universitário. O treino também inclui Chris Thomas, de Notre Dame, e Tru Bell, do Boston College. Nós todos nos reunimos para comer com o staff dos SuperSonics uma noite antes do treino, e então, eu me vejo tendo que fazer mais testes psicológicos. É um teste difícil. É em inglês e nem mesmo eu consigo entendê-lo.

Resumindo, Leandrinho acaba com todo mundo no treino. É um puta massacre. Sob os olhares atentos do presidente da rede Starbucks e manager dos SuperSonics, Leandrinho acerta todos os arremessos. Supera todos os defensores quando vai para a cesta. Faz passes mirabolantes para os companheiros no dois-contra-dois. É um show.

Ele envergonha Hinrich tanto que Hinrich se perde completamente. Em determinado momento, Leandro dá um cross-over e a estrela do Kansas cai de costas. Ele perdeu sua concentração. O resto do treino é uma lavada.

Depois do show, chega Sue Bird. Wow. Vida longa a WNBA. Leandrinho põe mais atenção na loira que está com ela, Lauren, da Austrália. Brasileiros amam loiras. Eu acho que esta é uma generalização que vai além do limite.

E então o momento decsivo acontece. Enquanto Leandrinho descansa após o treino, o fisioterapeuta do Sonics vem e pergunta para ele voltar à quadra e fazer um teste de sprint. Sem pensar, Leandrinho volta à quadra.

Eu não gosto da idéia. "Ele acaba de relaxar. Você acha necessário correr agora?", eu pergunto ao fisioterapeuta. "Oh, será muito rápido. Não há problemas em ele correr", responde."Bem, eu acho melhor ele alongar de novo. Ele não pode correr o risco de se machucar", eu digo.

Eu viro para Leandrinho e digo, "você precisa alongar de novo, só para ter certeza que você ficará mais solto".

"Não, eu estou bem, eu posso ir", diz o brasileiro.

Leandrinho vai e estira seu músculo do quadril. Muitos testes de agilidade com o médico da equipe, e nós estamos sentados na sala de recepção esperando para voltar ao hotel. Leandrinho tem um saco de gelo no seu quadril. Nate McMillan chega e descompromissadamente brinca, "Espero que você não possa treinar para nenhuma outra equipe! Você jogou muito bem hoje. Espero que você jogue conosco".

No desenrolar dos fatos, Leandrinho se torna um ponto de contenção para os Sonics. Algumas pessoas no staff querem ele, outras não. Draftá-lo ou não draftá-lo. No fim, fico sabendo que eles escolheram um garoto local chamado Luke Ridnour, por questões de marketing, me dizem.

Fazendo justiça, quando perguntado por um jornalista sobre o draft, Dave Pendergraft dos Sonics assumiu que, "o único jogador que nós estávamos receosos de não draftar era Leandro Barbosa. Ele pode tornar-se alguém muito especial na Liga".

Mais tarde cruzei com Dwayne Casey quando ele estava com os Tiberwolves e ele confirmou a história, dizendo que foi um debate acalorado entre o staff do Sonics no dia do draft. Casey tornu-se um fã imediato de Leandrinho, e diz que lutou muito para tentar convencer seus colegas a draftar o brasileiro. A medida que falava com Casey, poderia dizer que ele se lembrava desse momento com riqueza de detalhes.

O vacilo de Seattle foi o lucro do Phoenix, como podemos ver agora. Não que Luke Ridnour seja um rejeitado. Ele é um bom jogador de basquete, simples e direto. Entretanto, eu diria (assim como outros o fizeram) que ali não ficou claro quanto Leandrinho cresceria como jogador de basquete. E aí reside a diferença entre dois atletas. Ao arriscar-se com Leandrinho, os Suns fizeram uma aposta: All-Star ou Segunda Divisão.

Logo depois de Seattle, nós estamos em nosso "porto seguro', o Cleveland Athletic Club em Cleveland, Ohio. Leandrinho machucou o músculo do quadril. Os médicos falaram que ele precisa descansar e parar de jogar por um determinado período de tempo. Nada bom. Nós passamos todos os dias tratando do seu quadril. Enquanto isso, o irmão de Leandrinho está no telefone do Brasil, recebendo alguns conselhos de remédios caseiros para curar a contusão de Leandrinho.

A história toma um caminho tipicamente brasileiro agora. Depois de um longo telefonema com Dona Ivete, Arturo começa a despejar uma lista de pedidos. "Nós temos que ir ao cemitério. Temos que rezar pelos mortos a nos ajudar a superar obstáculos", diz Arturo. Eu não digo nada.

Mais tarde, no cemitério, eu hesito em sair do carro, preferindo deixar a aventura de Leandrinho e seu irmão por conta de sua própria reza. Mas minha ausência é logo notada e eu sou convocado a rezar também.

Muita reza depois, meu pequeno grupo é re-inspirado a voltar à batalha do pré-draft. Nos dias seguintes, a combinação de tratamento médico e todas as rezas para as almas dos mortos do cemitério de Cleveland ajudam Leandrinho a superar o quadril dolorido. Olhando o calendário, o próximo treino que é possível Leandrinho participar é com o Detroit Pinstons. Então, seguimos para Detroit.

Enquanto dou uma olhada no vestiário dos Pinstons, entra Willie Green. Pelo amor de Deus, eu penso. Não esse cara outra vez. Green não é um bom oponente para um jogo um-contra-um ou dois-contra-dois. O garoto é duro feito prego, brigador como garotos americanos podem ser. Ele é a definição de atleta. E ele está acertando arremessos sem parar.

Hora ruim para o brasileiro. Depois de outra surra, eu espero que Leandrinho esqueça o episódio rapidamente e siga adiante. Green não errou um arremesso sequer da linha de três pontos em todo o treino. Não sei as estatísticas dele, mas duvido que ele tenha ido para a Universidade de Detroit se ele sempre arremessasse a bola como o Larry Bird. Com todo o respeito a Detroit.

Talvez o momento mais interessante do dia foi ouvir o um velho funcionário do Pinstons. Ele me diz que tem 90 anos. Está envolvido com basquete desde sempre. Quando pergunto sobre o jogador sensação da Europa, Darko Milicic, sua resposta é impagável: "Não quero saber contra quem ele jogou na Europa. Vamos ver se ele pode jogar com garotos negros".

Nós mais tarde encontramos com o presidente do Detroit Pinstons Joe Dumars. Ele é um dos caras mais legais do mundo do basquetebol -- uma ex-estrela que há muito deixou o passado para trás. O tipo de pessoa que, se você não conhece muito sobre a NBA, jamais lhe ocorreria que ele foi uma grande estrela.

Dumars se mostra um fã de Leandrinho dizendo "Eu vi você jogar. Eu realmente gostei do seu jogo. Você se dará bem nessa Liga". Simples palavras de sabedoria. Depois do treino, fomos comer com o staff dos Pinstons. Do primeio ao último, a equipe dos Pinstos foram descolados.

A medida que deixamos o refeitório para tomar nossa limosine para o aeroporto, o velho funcionário dos Pinstons lança mais uma. "Willie, espero ver você aqui de novo com os Pinstons. Não vai acontecer, mas deveria e isso é uma pena. Continue jogando, filho".

A história provou que o velho homem estava certo. O então super-observado Green desde então construiu uma bela carreira na NBA.

Nesse período eu me deparo com um clipping onde as palavras de um jornalista dizem que Dwyane Wade detonou Leandrinho no treino do Golden State Warriors. Eu não posso acreditar no que leio. Eu reli só para ter certeza e começar a ficar furioso. Wade pode ter superado meu colega brasileiro algumas vezes, mas ele não estava nem sequer no mesmo nível em termos de habilidades naturais no basquete. Leandrinho pode driblar e arremessar melhor que Wade jamais pôde, e isso foi mostrado para todos em Golden State.

Eu preparo uma nota mental para confortar Wade da próxima vez que eu vê-lo, que será em breve.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Diário do draft - Parte Três

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Em Chicago, Leandrinho foi vítima da estrela da Universidade de Detroit Willie Green. Não é nada engraçado. Green é mais forte, mais duro e salta mais alto. Ainda por cima, Leandrinho ainda não consegue acertar os arremessos. Green parece não errar nenhum.

De volta ao vestiário, preparando-se para ir ao aeroporto, nós relembramos os momentos relevantes dessa experiência nos Bulls. Eu me impressiono com o fato de que Leandrinho estabeleceu o recorde em "foot speed test" que os Bulls deram aos jogadores ao longo dos últimos 16 anos. Eu deduzo que esses recordes incluem Michael Jordan.

Leandrinho se impressiona com a mística de Michael Jordan/Bulls, e às vezes tem que fazer um teste para saber se não é um sonho o fato de estar fazendo um teste para os ex-campeões mundiais Chicago Bulls. Retornamos dos sonhos assim que aparece o então jogador dos Bulls Fred Hoiberg.

Ele está pelado.

Eu nunca fui muito fã de conversar com gente pelada, mas sejamos justos, Hoiberg veio nos falar de um modo simpático e compreensivo, então eu gentilmente traduzi a conversa para o Leandrinho e, depois do papo, é hora de ir. Mas não sem antes ganhar de presente uma bermuda de treino do Chicago Bulls. Eu não sei porque, mas é emocionante. Eu ainda tenho a bermuda, um souvenir do meu breve encantamento pelos Bulls.

Nós seguimos para o aeroporto em uma longa limosine, algo novo para o meu amigo brasileiro. Conforme seguimos, Leandrinho me diz que ele vai dominar daqui para frente. E com um anúncio como esse, eu estou ao mesmo tempo tranquilo e empolgado pelas previsões do que está para vir.

O próximo treino é em Oakland com o Golden State Warriors. Nosso vôo da America West nos leva por uma série de conexões pelo sudoeste afora. Nós terminamos passando algum tempo no aeroporto de Phoenix. Eu me lembro de olhar pela janela daquele refrigerado aeroporto e dizer, "Espero que pelo seu bem você não jogue em Phoenix. Quem gostaria de viver num deserto?"

Em Oakland, Leandrinho me pede para perguntar ao team management se ele pode dar uns arremessos à noite. O ginásio de treino dos Warriors é parte do hotel que nós estamos ficando, então fomos para lá assim que desfizemos as malas. Leandrinho coloca umas cadeiras na quadra para poder driblar ao redor dela antes de chutar. É um dos exercícios mais old-school que existem, algo saído de um porão de igreja há meio século atrás.

Leandrinho dribla pra lá e pra cá, acertando um arremesso atrás do outro. Eu me vejo impressionado com sua incrível habilidade no drible. Não que ele tenha mil e um dribles do And1. O lance é que ele tem completo e total controle da bola quando corre em velocidade máxima.

No outro canto da quadra, um cara alto e branco com um tipo de corte de cabelo militar se aproxima de nós. Leandrinho não tem a menor idéia de quem ele é. Eu lhe digo que ele é o diretor do time, um cara chamado Chris Mullin.

Mais uma vez, nenhuma resposta de Leandrinho. Ele me diz todo o tempo que não assitia muito basquete da NBA quando era garoto no Brasil. Ele estava muito ocupado jogando e fazendo os exercícios que lhe passava seu irmão.

"Hey fellas, estava pensando em me juntar a vocês nos arremessos", diz Mullin.

Eu sou o primeiro a responder, "Claro, por favor". Eu não posso acreditar. Aqui estou eu dando uns arremessos com Chris Mullin, ex-jogador do Dream Team original de Barcelona-92!

Eu cresci na Tanzânia, onde circulavam alguma poucas fitas de basquete da NBA. Minha favorita era sempre a fita que destacava os Run TMC(*), dos Golden State Warrios. Das quadras de Dar as Salaam, eu jamais imaginaria que estaria algum dia arremessando com o "C".

Claro, havia algo acalentador no fato de que Leandrinho não falou nada de Chris Mullin. Ele não estava muito impressionado com o arremesso de Mullin. Mais tarde eu descobri que Mullin também não estava muito impressionado com o arremesso de Leandrinho, o que pode ser um pouco de especulação, mas parece ser a razão pela qual deixou passar a oportunidade de draftar Barbosa. (Você pode imaginar, aliás, Leandrinho no atual time do Warriors?)

Para o treino do dia seguinte, Leandrinho colocou em quadra seu melhor jogo.

Jogando contra Dwyne Wade e Reece Gaines, Leandrinho deixou para trás suas últimas atuações e preparou-se para o momento atual. O atleticismo de Wade destacou-se, mas ninguém arremessou mais nem mostrou mais de pura habilidade no basquete que o brasileiro.

Ele fez, Gaines, o astro de Louisville de bobo uma e outra vez. Em uma jogada em particular, Leandrinho fez um giro em Gaines e escorou com o braço na cintura de Gaines para ganhar mais espaço e ir para a cesta. Gaines pediu falta por nada mas o show já estava posto. Gaines iria depois demosntrar sua frustração atirando Leandrinho no chão. Eu pensei que uma briga iria rolar ali mas, mostrando aquele raro espírito de líder, Wade, mais de uma vez, restaurou a paz. Wade, ficou claro, tem uma maturidade e caráter incomuns.

Depois do fantástico treino, nós fomos para o vestiário. Eu percebi que, diferentemente da maioria dos outros times, os Warriors não deixam os jogadores ficarem com seus uniformes de treinamento. Por alguma razão, ganhar equipamentos da NBA grátis é um grande negócio para futuros milionários. Eu acho que os Warriors crêem que futuros milionários podem pagar pelos uniformes se eles realmente os desejam. Justo.

Conforme Leandrinho se vestia, eu entrei na sala de treinamento. Um Chris Mullin pelado estava entrando na banheira. (todo mundo na NBA está pelado?)

"Causou uma boa impressão", ele disse. "Eu não acreditava na fita que eu vi. As vezes um jogador pode parecer valer uma fortuna na fita mas na vida real o garoto não joga nada. Achei que ele era ainda melhor que nas fitas", disse Mullin.

A tal fita estava se tornando uma lenda.

"Eu não sei o que vocês vão fazer neste fim de semana", acrescentou. "Eu gostaria de convidar vocês para um almoço hoje. Minha empregada é brasileira e ela vai cozinhar alguma comida especial."

"Claro. Nós vamos", respondi.

Você está brincando? Sim, eu vou almoçar na casa do Chris Mullin. Não é grande coisa. Somente passar um tempo com sua família. Nós gostamos de fazer uma reuniãozinha mais ou menos uma vez por mês. Somos bons assim.

Eu nem sequer perguntei ao meu companheiro brasileiro, mas eu tinha certeza que ele não se preocuparia. Na verdade, há um dito brasileiro que se você quer juntar uma multidão, ofereça uma boquinha-livre. Assim que saímos do centro de treinamento no Mercedes Benz bacana de Chris Mullin, eu tive que rir. Era uma longa jornada desde uma lanchonete do Brasil, onde toda essa história maluca começou.


(*) Tim Hardaway, Mitch Richmond e Chriss Mullin

domingo, 29 de junho de 2008

Diário do Draft - Parte Dois

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Estamos em Milwaukee, ou melhor, na periferia da cidade em um seminário para padres católicos. Os Bucks treinam em uma quadra dentro do seminário.

Eu e Leandrinho entramos no prédio e cumprimentamos o segurança. Sem resposta. Nós olhamos outra vez, e percebemos que não é um segurança. É um boneco de cera. Nós demoramos um pouco para nos ligarmos disso. Então Geroge Karl entra no prédio e nós o cumprimentamos. A mesma resposta que nos deu o homem de cera. Nós soubemos depois que Karl não gosta de rookies nem de futuros rookies.

Estou traduzindo para Leandrinho, em quadra, vestindo uma camisa e uma bermuda grande. Meu atleta está jogando contra Marquis Daniels. Estou puto porque um assistente-técnico otário está ajudando demais Daniels e tirando o Leandrinho enquanto os dois jogam. O que é isso? Que palhaçada. Eu penso em reclamar mas percebo que o brasileiro não se liga porque não fala nada de inglês.

Daniels parece se dar melhor que Leandrinho em todas as disputas. É uma experiência frustrante. O arremesso do brasileiro não está caindo. Ele não consegue fazer nada certo. Está tendo um daqueles dias.

Numa corrida cronometrada, Daniels vence de longe. O que está acontecendo? Eu já tinha visto isso antes, então eu digo que os dois corram novamente, mas desta vez batendo bola.

A corrida recomeça, e não dá nem graça. Daniels está na metade do caminho quando quando Leandrinho cruza a linha de chegada.

Esta é a chave para a velocidade do brasileiro. Ele não perde nem um milésimo entre correr com a bola ou sem ela. Poucos jogadores tem essa coordenação.

Eu vi de onde vem esse tremendo controle de bola de Leandrinho. Seu irmão, Arturo, um professor de basquete aloprado, começou a treinar esse tipo de habilidade com seus irmãos mais novos desde pequenos.

Arturo era como um sargento. Que faz todo sentido, porque Arturo era de fato autoritário nesse sentido.

Se os exercícios não fossem completados perfeitamente, seriam seguidos de punição física. Lágrimas iriam rolar, e então o exercício continuaria. Como me disse certa vez sua mãe, Dona Ivete, Arturo e ela tinham sérias discussões questionando se esses métodos eram necessários ou sequer saudáveis.

Olhando os resultados, Arturo teria um bom argumento.

Terminados os penosos exercícios em quadra, nós fomos para a sala de musculação. Daniels é um fenômeno atlético. Ele pode sair da quadra e começar a levantar pesos como se fossem nada. O mesmo não se podia dizer de Leandrinho, que era praticamente humilhado.

A musculação também revelava algo estranho: na medida de abertura dos braços, os fisioterapeuta percebeu que a mão esquerda de Leandrinho é muito maior que a mão direita. Chupa, Daniels.

Depois de tudo, Daniel leva uma pancada no treino e se machuca seriamente. Por causa da lesão, Daniels ia ficar fora por tempo indeterminado. Eu soube depois que seu treino no Milwaukee foi seu primeiro e último teste antes do draft da NBA. Não sei se é verdade. O que eu sei é que Leandrinho é mais forte que parece e quando vai pra cesta deve dar umas belas trombadas em seus adversários.

Nós sentamos para almoçar depois do treino e encontramos o técnico-torcedor de Daniels da equipe técnica dos Bucks. Seu nome é Sam Mitchell. No fim das contas ele é uma boa pessoa.

Depois do almoço, fizemos aguns testes psicológicos. Eu terminei fazendo o teste para Leandrinho porque ele levava muito tempo para traduzi-lo.

Quando está tudo terminado, saímos do complexo de treinamento nos despedindo de Daniels e desejando-lhe uma breve recuperação. Terminado isso, pegamos a estrada para Chicago.

Não sei se foi a baixa performance de Leandrinho em quadra ou meu teste psicológico, mas nós dois concordamos que certamente não iríamos jogar com o uniforme dos Bucks tão cedo.




quinta-feira, 26 de junho de 2008

Diário do Draft - Parte Um

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil, e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Acredito que a história começa com um garoto brincalhão que eu conheci em São Paulo e que queria ir aos Estados Unidos jogar basquete. Ele tinha por volta de dois metros, super atlético e nascido com uma tremenda cara-de-pau. Ele aparece na minha casa um dia em julho de 2002 com uma fita sua jogando basquete. Antes que eu tivesse a chance de dizer que estava com pressa e tinha que ir embora, o garoto põe a fita no meu videocassete e aperta play.

Duas horas depois eu estou sentado no meu sofá impressionado. O garoto brincalhão não é lá muito bom, mas ele pode correr como o vento e saltar como... o vento pode saltar? Você entendeu. Eu sugeri a ele que fizesse atletismo.

Entretanto quase despercebido na fita do garoto está um armador que é fora-de-série. A sua habilidade é quase inacreditável, como uma lenda do streetball. Eu realmente não posso descrevê-lo de outra forma que não fora-de-série. Fora-de-série e de algum universo desconhecido. Uma forma alienígena de basquetebol, diferente de que eu já havia visto antes.

Na minhas memórias, eu cresci na África quando o basquetebol africano era como um evento de atletismo: pura correria o jogo inteiro e a maioria dos jogadores (exceto por mim, claro) eram velozes. O jogo era cheio de erros porque a maioria de nós não tinha muita habilidade ou orientação. Contudo, nada nos impedia de correr pra cima e pra baixo da quadra numa perigosa velocidade. Portanto, eu já vi um pouco de basquete em alta velocidade.

Então eu perguntei ao moleque brincalhão, quem era o garoto com braços longos? "Ah, este é meu antigo colega de equipe do Palmeiras, em São Paulo", ele disse. "Ele é bom. Ele não é lá muito bom armador porque só quer saber de ir pra cesta. Mas ele é um lateral e tem um arremesso estranho, ainda assim não tenho certeza se ele pode jogar bem numa universidade americana. É um salto muito grande em relação ao Brasil".

"Não, não é", eu disse. Basquete universitário nos EUA é uma merda. Eles são um bando de moleques que não sabem arremessar. Leandrinho pode jogar na NBA. Não existe algo tão rápido na NBA. E ele domina a bola de basquete como se tivesse presa numa corda".

O garoto brincalhão responde, "bom, ele tem uma média de apenas dez pontos por jogo no Brasil. Se ele tivesse nível para jogar na NBA, teria que marcar muito mais pontos. O basquete brasileiro não é assim tão bom".

Ele estava certo, mas eu não ia debater questões relativas aos erros e acertos da liga brasileira. Não com esse garoto.

Em pouco tempo, eu estava em um restaurante em São Paulo com o irmão de Leandrinho, Artuto, e sua mãe dona Ivete. Arturo é um pouco maluco, mas no bom sentido. Nós nos demos bem imediatamente. Dona Ivete é mais tranquila, bem-vestida e pronta para falar de negócios. Numa primeira impressão, você não pensaria que ela é uma massagista, mas sim uma formada em administração de Harvard.

Arturo começa dizendo, "Eu sonhei por anos que você ia aparecer aqui. Sonhei por anos que um americano ia vir e reconhecer o talento do meu irmão e lavá-lo para a NBA".

"Uou! Calma. Vamos parar por aqui. Eu não sou americano. Deixemos isso claro", eu disse. "Seu irmão é realmente talentoso e eu gostaria de tentar ajudá-los".

Nós passamos os dias seguintes organizando fitas cassetes que eu levaria para vários pessoas envolvidas com basquetebol. Dessa organização saiu a fita de lances (mixtape) de Leandrinho. Naquele momento eu não tinha nem idéia que essa fita se tornaria quase uma lenda e o ajudaria a ser draftado para a NBA.

Acelerando a fita alguns meses. Leandrinho está marcando 28 pontos por jogo e oito assistências, além de chutar 48% da linha de três pontos. Ele está sendo matador para sua equipe de Bauru no campeonato brasileiro.

Meses passaram. Um contato meu tentou levar Leandrinho para um colégio nos Estados Unidos. Na verdade, essa iniciativa chegou somente ao ponto de falar com o técnico de LeBrown James em seu colégio em Akron, Ohio. O técnico recusou, com medo que as autoridades do basquete colegial em Ohio suspeitariam se ele aparecesse com um intercambista jogador de basquete depois de LeBrown. Acho que as autoridades já o perturbaram muito a respeito do Rei (LeBrown) que viera.

Entra Ron Harper e seu manager, ex-namorado de Halle Berry e a cara do Charles Barkley. É sério. Eu fiquei olhando porque não podia acreditar no que via. Eu só posso achar que Halle curtiria Barkley. Você deveria tentar, Charles. Ron olha a fita de lances de Leandrinho e anuncia que Leandrinho tem que jogar. Na NBA. E gora!