quinta-feira, 24 de julho de 2008

Diário do Draft - Parte Quatro

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Enquanto esperamos que o almoço seja servido, eu me sento no sofá de Chris Mullin e falo sobre hockey com o sujeito.

"Quer uma cerveja?", ele pergunta.

Eu ouvi dizer que ele era um alcoólatra em algum momento da sua vida. E eu não sei bem o que responder. Eu não digo nada. Ele não diz nada.

Meu time, o Ottawa Senators, está jogando contra o New Jersey Devils pelos playoffs. Sendo um cara de Nova York, Mullin naturalmente torce para os Devils. Para alguém que tornou-se um fã de basquete nos anos 80, toda aquela situação é incrivelmente bizarra e surreal. Mullin é um cara legal, mas é bastante normal. Surge em mim uma sensação que toda aquela idolatria aos jogadores é um pouco babaca, nada contra Chris.

Mullin me oferece uma cerveja de novo. Desta vez ele fala que está só brincando.

Um tempo depois entram Mike Dunleavy Jr e Jiri Welsch. Welsch é um grande fã de hockey, torcendo para os Senators também, porque o time conta com alguns tchecos amigos seus. Junior termina por mudar de canal para um jogo de basquete. Eu ameaço um protesto, mas então me dou conta que esses caras são jogadores de basquete afinal de contas.

De qualquer maneira, os Senators acabam perdendo. Como eu esperava. Mullin de brincadeira oferece cerveja outra vez. O que acontece? Eu tenho vontade de dizer que adoraria uma cerveja boa, gelada e trincando.

O almoço está servido. Nós assitimos um pouco de basquete e então voltamos para o hotel com Junior. Para um cara que é constantemente criticado pela mídia e pelos fãs na Bay Area, estou impressionado pela auto-confiança dele.

Nós passamos o resto do tempo dando uma olhada em São Francisco a pé. Seguimos para um internet café e eu faço uma entrevista por email para o nbadraft.com para leandrinho. Tudo está bem. Estamos prontos para o próximo treino em Seattle.

Chegando em Seattle, Dwane Casey nos recebe no aeroporto. Ele é tão gentil que é difícil acreditar que ele está sendo sério, mas eu acho que ele está.

Leandrinho tem essa coisa na cabeça que ele precisa levar seu jogo um nível adiante. O palco está pronto. Depois de fazer o check-in no hotel, eu vejo Kirk Hinrich, estrela da Universidade de Kansas, andando pelos corredores. Surpreendentemente, Leandrinho conhece ele, tendo recentemente assitido uma derrota sua para o Syracuse no torneio da NCAA. Ele impressionou-se com Hinrich, mas não ficou nada intimidado. Leandrinho não se impressiona muito como basquete universitário. O treino também inclui Chris Thomas, de Notre Dame, e Tru Bell, do Boston College. Nós todos nos reunimos para comer com o staff dos SuperSonics uma noite antes do treino, e então, eu me vejo tendo que fazer mais testes psicológicos. É um teste difícil. É em inglês e nem mesmo eu consigo entendê-lo.

Resumindo, Leandrinho acaba com todo mundo no treino. É um puta massacre. Sob os olhares atentos do presidente da rede Starbucks e manager dos SuperSonics, Leandrinho acerta todos os arremessos. Supera todos os defensores quando vai para a cesta. Faz passes mirabolantes para os companheiros no dois-contra-dois. É um show.

Ele envergonha Hinrich tanto que Hinrich se perde completamente. Em determinado momento, Leandro dá um cross-over e a estrela do Kansas cai de costas. Ele perdeu sua concentração. O resto do treino é uma lavada.

Depois do show, chega Sue Bird. Wow. Vida longa a WNBA. Leandrinho põe mais atenção na loira que está com ela, Lauren, da Austrália. Brasileiros amam loiras. Eu acho que esta é uma generalização que vai além do limite.

E então o momento decsivo acontece. Enquanto Leandrinho descansa após o treino, o fisioterapeuta do Sonics vem e pergunta para ele voltar à quadra e fazer um teste de sprint. Sem pensar, Leandrinho volta à quadra.

Eu não gosto da idéia. "Ele acaba de relaxar. Você acha necessário correr agora?", eu pergunto ao fisioterapeuta. "Oh, será muito rápido. Não há problemas em ele correr", responde."Bem, eu acho melhor ele alongar de novo. Ele não pode correr o risco de se machucar", eu digo.

Eu viro para Leandrinho e digo, "você precisa alongar de novo, só para ter certeza que você ficará mais solto".

"Não, eu estou bem, eu posso ir", diz o brasileiro.

Leandrinho vai e estira seu músculo do quadril. Muitos testes de agilidade com o médico da equipe, e nós estamos sentados na sala de recepção esperando para voltar ao hotel. Leandrinho tem um saco de gelo no seu quadril. Nate McMillan chega e descompromissadamente brinca, "Espero que você não possa treinar para nenhuma outra equipe! Você jogou muito bem hoje. Espero que você jogue conosco".

No desenrolar dos fatos, Leandrinho se torna um ponto de contenção para os Sonics. Algumas pessoas no staff querem ele, outras não. Draftá-lo ou não draftá-lo. No fim, fico sabendo que eles escolheram um garoto local chamado Luke Ridnour, por questões de marketing, me dizem.

Fazendo justiça, quando perguntado por um jornalista sobre o draft, Dave Pendergraft dos Sonics assumiu que, "o único jogador que nós estávamos receosos de não draftar era Leandro Barbosa. Ele pode tornar-se alguém muito especial na Liga".

Mais tarde cruzei com Dwayne Casey quando ele estava com os Tiberwolves e ele confirmou a história, dizendo que foi um debate acalorado entre o staff do Sonics no dia do draft. Casey tornu-se um fã imediato de Leandrinho, e diz que lutou muito para tentar convencer seus colegas a draftar o brasileiro. A medida que falava com Casey, poderia dizer que ele se lembrava desse momento com riqueza de detalhes.

O vacilo de Seattle foi o lucro do Phoenix, como podemos ver agora. Não que Luke Ridnour seja um rejeitado. Ele é um bom jogador de basquete, simples e direto. Entretanto, eu diria (assim como outros o fizeram) que ali não ficou claro quanto Leandrinho cresceria como jogador de basquete. E aí reside a diferença entre dois atletas. Ao arriscar-se com Leandrinho, os Suns fizeram uma aposta: All-Star ou Segunda Divisão.

Logo depois de Seattle, nós estamos em nosso "porto seguro', o Cleveland Athletic Club em Cleveland, Ohio. Leandrinho machucou o músculo do quadril. Os médicos falaram que ele precisa descansar e parar de jogar por um determinado período de tempo. Nada bom. Nós passamos todos os dias tratando do seu quadril. Enquanto isso, o irmão de Leandrinho está no telefone do Brasil, recebendo alguns conselhos de remédios caseiros para curar a contusão de Leandrinho.

A história toma um caminho tipicamente brasileiro agora. Depois de um longo telefonema com Dona Ivete, Arturo começa a despejar uma lista de pedidos. "Nós temos que ir ao cemitério. Temos que rezar pelos mortos a nos ajudar a superar obstáculos", diz Arturo. Eu não digo nada.

Mais tarde, no cemitério, eu hesito em sair do carro, preferindo deixar a aventura de Leandrinho e seu irmão por conta de sua própria reza. Mas minha ausência é logo notada e eu sou convocado a rezar também.

Muita reza depois, meu pequeno grupo é re-inspirado a voltar à batalha do pré-draft. Nos dias seguintes, a combinação de tratamento médico e todas as rezas para as almas dos mortos do cemitério de Cleveland ajudam Leandrinho a superar o quadril dolorido. Olhando o calendário, o próximo treino que é possível Leandrinho participar é com o Detroit Pinstons. Então, seguimos para Detroit.

Enquanto dou uma olhada no vestiário dos Pinstons, entra Willie Green. Pelo amor de Deus, eu penso. Não esse cara outra vez. Green não é um bom oponente para um jogo um-contra-um ou dois-contra-dois. O garoto é duro feito prego, brigador como garotos americanos podem ser. Ele é a definição de atleta. E ele está acertando arremessos sem parar.

Hora ruim para o brasileiro. Depois de outra surra, eu espero que Leandrinho esqueça o episódio rapidamente e siga adiante. Green não errou um arremesso sequer da linha de três pontos em todo o treino. Não sei as estatísticas dele, mas duvido que ele tenha ido para a Universidade de Detroit se ele sempre arremessasse a bola como o Larry Bird. Com todo o respeito a Detroit.

Talvez o momento mais interessante do dia foi ouvir o um velho funcionário do Pinstons. Ele me diz que tem 90 anos. Está envolvido com basquete desde sempre. Quando pergunto sobre o jogador sensação da Europa, Darko Milicic, sua resposta é impagável: "Não quero saber contra quem ele jogou na Europa. Vamos ver se ele pode jogar com garotos negros".

Nós mais tarde encontramos com o presidente do Detroit Pinstons Joe Dumars. Ele é um dos caras mais legais do mundo do basquetebol -- uma ex-estrela que há muito deixou o passado para trás. O tipo de pessoa que, se você não conhece muito sobre a NBA, jamais lhe ocorreria que ele foi uma grande estrela.

Dumars se mostra um fã de Leandrinho dizendo "Eu vi você jogar. Eu realmente gostei do seu jogo. Você se dará bem nessa Liga". Simples palavras de sabedoria. Depois do treino, fomos comer com o staff dos Pinstons. Do primeio ao último, a equipe dos Pinstos foram descolados.

A medida que deixamos o refeitório para tomar nossa limosine para o aeroporto, o velho funcionário dos Pinstons lança mais uma. "Willie, espero ver você aqui de novo com os Pinstons. Não vai acontecer, mas deveria e isso é uma pena. Continue jogando, filho".

A história provou que o velho homem estava certo. O então super-observado Green desde então construiu uma bela carreira na NBA.

Nesse período eu me deparo com um clipping onde as palavras de um jornalista dizem que Dwyane Wade detonou Leandrinho no treino do Golden State Warriors. Eu não posso acreditar no que leio. Eu reli só para ter certeza e começar a ficar furioso. Wade pode ter superado meu colega brasileiro algumas vezes, mas ele não estava nem sequer no mesmo nível em termos de habilidades naturais no basquete. Leandrinho pode driblar e arremessar melhor que Wade jamais pôde, e isso foi mostrado para todos em Golden State.

Eu preparo uma nota mental para confortar Wade da próxima vez que eu vê-lo, que será em breve.

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