terça-feira, 22 de julho de 2008

Diário do draft - Parte Três

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".

Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

Em Chicago, Leandrinho foi vítima da estrela da Universidade de Detroit Willie Green. Não é nada engraçado. Green é mais forte, mais duro e salta mais alto. Ainda por cima, Leandrinho ainda não consegue acertar os arremessos. Green parece não errar nenhum.

De volta ao vestiário, preparando-se para ir ao aeroporto, nós relembramos os momentos relevantes dessa experiência nos Bulls. Eu me impressiono com o fato de que Leandrinho estabeleceu o recorde em "foot speed test" que os Bulls deram aos jogadores ao longo dos últimos 16 anos. Eu deduzo que esses recordes incluem Michael Jordan.

Leandrinho se impressiona com a mística de Michael Jordan/Bulls, e às vezes tem que fazer um teste para saber se não é um sonho o fato de estar fazendo um teste para os ex-campeões mundiais Chicago Bulls. Retornamos dos sonhos assim que aparece o então jogador dos Bulls Fred Hoiberg.

Ele está pelado.

Eu nunca fui muito fã de conversar com gente pelada, mas sejamos justos, Hoiberg veio nos falar de um modo simpático e compreensivo, então eu gentilmente traduzi a conversa para o Leandrinho e, depois do papo, é hora de ir. Mas não sem antes ganhar de presente uma bermuda de treino do Chicago Bulls. Eu não sei porque, mas é emocionante. Eu ainda tenho a bermuda, um souvenir do meu breve encantamento pelos Bulls.

Nós seguimos para o aeroporto em uma longa limosine, algo novo para o meu amigo brasileiro. Conforme seguimos, Leandrinho me diz que ele vai dominar daqui para frente. E com um anúncio como esse, eu estou ao mesmo tempo tranquilo e empolgado pelas previsões do que está para vir.

O próximo treino é em Oakland com o Golden State Warriors. Nosso vôo da America West nos leva por uma série de conexões pelo sudoeste afora. Nós terminamos passando algum tempo no aeroporto de Phoenix. Eu me lembro de olhar pela janela daquele refrigerado aeroporto e dizer, "Espero que pelo seu bem você não jogue em Phoenix. Quem gostaria de viver num deserto?"

Em Oakland, Leandrinho me pede para perguntar ao team management se ele pode dar uns arremessos à noite. O ginásio de treino dos Warriors é parte do hotel que nós estamos ficando, então fomos para lá assim que desfizemos as malas. Leandrinho coloca umas cadeiras na quadra para poder driblar ao redor dela antes de chutar. É um dos exercícios mais old-school que existem, algo saído de um porão de igreja há meio século atrás.

Leandrinho dribla pra lá e pra cá, acertando um arremesso atrás do outro. Eu me vejo impressionado com sua incrível habilidade no drible. Não que ele tenha mil e um dribles do And1. O lance é que ele tem completo e total controle da bola quando corre em velocidade máxima.

No outro canto da quadra, um cara alto e branco com um tipo de corte de cabelo militar se aproxima de nós. Leandrinho não tem a menor idéia de quem ele é. Eu lhe digo que ele é o diretor do time, um cara chamado Chris Mullin.

Mais uma vez, nenhuma resposta de Leandrinho. Ele me diz todo o tempo que não assitia muito basquete da NBA quando era garoto no Brasil. Ele estava muito ocupado jogando e fazendo os exercícios que lhe passava seu irmão.

"Hey fellas, estava pensando em me juntar a vocês nos arremessos", diz Mullin.

Eu sou o primeiro a responder, "Claro, por favor". Eu não posso acreditar. Aqui estou eu dando uns arremessos com Chris Mullin, ex-jogador do Dream Team original de Barcelona-92!

Eu cresci na Tanzânia, onde circulavam alguma poucas fitas de basquete da NBA. Minha favorita era sempre a fita que destacava os Run TMC(*), dos Golden State Warrios. Das quadras de Dar as Salaam, eu jamais imaginaria que estaria algum dia arremessando com o "C".

Claro, havia algo acalentador no fato de que Leandrinho não falou nada de Chris Mullin. Ele não estava muito impressionado com o arremesso de Mullin. Mais tarde eu descobri que Mullin também não estava muito impressionado com o arremesso de Leandrinho, o que pode ser um pouco de especulação, mas parece ser a razão pela qual deixou passar a oportunidade de draftar Barbosa. (Você pode imaginar, aliás, Leandrinho no atual time do Warriors?)

Para o treino do dia seguinte, Leandrinho colocou em quadra seu melhor jogo.

Jogando contra Dwyne Wade e Reece Gaines, Leandrinho deixou para trás suas últimas atuações e preparou-se para o momento atual. O atleticismo de Wade destacou-se, mas ninguém arremessou mais nem mostrou mais de pura habilidade no basquete que o brasileiro.

Ele fez, Gaines, o astro de Louisville de bobo uma e outra vez. Em uma jogada em particular, Leandrinho fez um giro em Gaines e escorou com o braço na cintura de Gaines para ganhar mais espaço e ir para a cesta. Gaines pediu falta por nada mas o show já estava posto. Gaines iria depois demosntrar sua frustração atirando Leandrinho no chão. Eu pensei que uma briga iria rolar ali mas, mostrando aquele raro espírito de líder, Wade, mais de uma vez, restaurou a paz. Wade, ficou claro, tem uma maturidade e caráter incomuns.

Depois do fantástico treino, nós fomos para o vestiário. Eu percebi que, diferentemente da maioria dos outros times, os Warriors não deixam os jogadores ficarem com seus uniformes de treinamento. Por alguma razão, ganhar equipamentos da NBA grátis é um grande negócio para futuros milionários. Eu acho que os Warriors crêem que futuros milionários podem pagar pelos uniformes se eles realmente os desejam. Justo.

Conforme Leandrinho se vestia, eu entrei na sala de treinamento. Um Chris Mullin pelado estava entrando na banheira. (todo mundo na NBA está pelado?)

"Causou uma boa impressão", ele disse. "Eu não acreditava na fita que eu vi. As vezes um jogador pode parecer valer uma fortuna na fita mas na vida real o garoto não joga nada. Achei que ele era ainda melhor que nas fitas", disse Mullin.

A tal fita estava se tornando uma lenda.

"Eu não sei o que vocês vão fazer neste fim de semana", acrescentou. "Eu gostaria de convidar vocês para um almoço hoje. Minha empregada é brasileira e ela vai cozinhar alguma comida especial."

"Claro. Nós vamos", respondi.

Você está brincando? Sim, eu vou almoçar na casa do Chris Mullin. Não é grande coisa. Somente passar um tempo com sua família. Nós gostamos de fazer uma reuniãozinha mais ou menos uma vez por mês. Somos bons assim.

Eu nem sequer perguntei ao meu companheiro brasileiro, mas eu tinha certeza que ele não se preocuparia. Na verdade, há um dito brasileiro que se você quer juntar uma multidão, ofereça uma boquinha-livre. Assim que saímos do centro de treinamento no Mercedes Benz bacana de Chris Mullin, eu tive que rir. Era uma longa jornada desde uma lanchonete do Brasil, onde toda essa história maluca começou.


(*) Tim Hardaway, Mitch Richmond e Chriss Mullin

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