domingo, 3 de agosto de 2008

Diário do Draft - Parte Seis

Uma série em dez textos
Por Gregory Dole
Originalmente publicado em TrueHoop

O canadense Gregory Dole vive no Brasil e descreve a si mesmo como "escritor freelancer, professor de inglês como segunda língua, técnico de basquete, olheiro e viajante pelo mundo". Esta é a carreira que não muito tempo atrás, levou-o profundamente de encontro com a vida de um certo "Brazilian Blur".


Na primavera e verão de 2003, antes e depois do draft da NBA, Dole foi o tradutor de Leandro Barbosa. Ao longo dos próximos dias -- francamente, na esperança de conseguir um contrato para escrever um livro (se por acaso houver algum agente ou editor por aí lendo) -- Dole estará apresentando histórias de seu período com Barbosa. A primeira história começa quando um jogador brasileiro lhe leva uma fita cassete para a sala de Dole.

***

No fim, chegamos ao aeroporto com alguns minutos de folga. No fim das contas não foi um problema. Todos os vôos foram atrasaram algumas horas por conta das tempestades.

No aeroporto, nós comemos uma merda qualquer. A comida é ruim mas nós estamos famintos. Uma garota passa enquanto nós comemos. Leandrinho e eu olhamos um para o outro e ele diz em português, "esta não parece uma bunda americana".

A garota vira para nós e diz em português bem brasileiro, "é porque eu sou do Brasil, seu sem-vergonha". Mas ela está sorrindo.

Ela e Leandrinho começam uma discussão sobre a falta do que eles chamam gostosura ("deliciousness") nas mulheres americanas, tendo origem basicamente no que eles concordam ser um gene bunda-murcha do DNA norte-americano. "Elas são puros peitos aqui nos EUA. Grandes, enormes peitos. Como grandes vacas leiteiras. Mas nada de bunda. Eu não entendo. Eu não entendo nem como elas conseguem ficar de pé", exclamou a mulher.

Ela nunca ouviu falar de Leandrinho e não bota muita fé que ele está fazendo testes para a NBA. Depois de uma série de tentativas de convencê-la que a história é legítima, eu desisto.

Leandrinho está com dores. Seu quadril está endurecendo. O gelo não está ajudando. Eu não sei o que nós vamos fazer amanhã, em Boston. As almas dos mortos terão que nos ajudar muito para o Leandrinho ter uma chance qualquer de competir amanhã.

Nós chegamos em Boston as 3 da manhã. É sábado. Um gentil funcionário dos Celtics ficou esperando de manhã cedo para nos dar uma carona até o hotel próximo do centro de treinamento. Estou surpreso com a aplicação. Eu digo ao cara dos Celtics que Leandrinho não poderá estar lá as 9 da manhã. Ele está exausto e com dores. Não é muito justo pedir para ele que se vista e apareça para treinar nessas condições. Leandrinho está implorando comigo para convencer o funcionário dos Celtics enquanto dirigimos para o hotel. Eu tento de todas as maneiras comunicá-lo a gravidade da situação, mas o companheiro não esta nem aí.

"Olha, nós vamos estar em Boston no domingo também. Há alguma chance de termos nossos treinos remarcados?", pergunto.

Responde o cara dos Celtics. "Não podemos fazer tal coisa. Todos os proprietários estarão no centro de treinamento amanhã para ver Leandrinho. É um grande dia de treino para nós. Todos aqui amam Leandrinho."

Wow. Isso é mais complicado que eu imaginava. Os Celtics estão levando o treino muito a sério. De manhã, eu saberia mais.

Dividindo um quarto duplo no hotel, Leandrinho e eu tomamos as devidas precauções. "Sabe, eu realmente não posso treinar. Meu quadril está fudido", comenta Leandrinho.

"Você não acha que pode treinar amanhã, sabe, como foi aquela vez depois que o cara do Memphis fez um pouco de aquecimento", eu pergunto gentilmente.

"Sem chances. Eu tô fora", diz Leandrinho.

Eu me preocuparia com isso, mas nessa hora, eu não posso ficar com os olhos abertos. Eu cochilo e vou para um lugar longe dos Celtics, da NBA, do draft e sua constante ansiedade sobre o que vai acontecer no dia 26 de Junho.

Ao acordar com o som do telefone tocando, eu rapidamente percebo que nós estamos atrasados. O staff dos Celtics já está no lobby do hotel. Eu tiro Leandrinho de sua cama e o ajudo a se arrumar. Ele não está em condições físicas ou mentais para batalhar um treino da NBA. O que eu vou dizer aos Celtics? Eu nem me preocupo em tocar no assunto de o Leandrinho não treinar enquanto dirigimos para o centro de treinamento. Não parece valer muito a pena. Eu vou esperar e ver como estarão as coisas quando chegarmos no ginásio.

O centro de treinamento dos Celtics fica ao lado de uma academia de ginástica, em uma área arborizada algumas milhas fora de Boston. É um belo lugar. Logo na entrada do centro há uma homenagem a Red Auerbach. A organização Boston Celtics é uma história viva. Tantos dos grandes nomes desse esporte foram parte deste time e você sente isso assim que você entra no Celtic-dom.

Do jeito que Leandrinho está, não parece que ele vai ingressar nessa história viva em verde e branco.

Conhecemos alguns outros colegas dos Celtics. Eles estão entusiasmados em ver Leandrinho. Essas pessoas amam ele. Eu percebo que eles também beberam da salvadora, por assim dizer, fita lendária de Leandrinho. "Estou feliz em conhecê-lo. Tornei-me um grande fã seu. Nós temos visto sua fita nos últimos dias", diz um deles.

Eu aproveito a oportunidade para dizer que os Sonics adoraram o brasileiro. Exagerando sutilmente ao dizer que ele ensinou uma lição a Kirk Hinrich em Seattle. Sabendo que os Celtics têm a escolha depois dos Sonics, eu percebo que os homens dos Celtics fazem anotações. Eles provavelmente irão por a mão nos telefones para saber de seus informantes para saber de fato se os Sonics gostaram de Leandrinho.

"Bem, eu espero que ele caia pra gente na 16ª escolha", diz outro chefão dos Celtics. O que está acontecendo aqui? Este cara está falando sério? Os Celtics estão assim tão loucos pelo garoto? Encontrar Danny Ainge confirma que os Celtics são loucos por Leandrinho. Uma vez mais, eu me encontro trocando idéia com uma lenda da NBA. Uma vez mais, Leandrinho nunca ouviu falar do cara.

Ainge implora a Leandrinho para treinar. O garoto resolve dar o braço a torcer. Entretanto, o fisioterapeuta dos Celtics tem outros planos. A medida que ele põe o brasileiro na série de alongamentos, ele diz que não há praticamente nenhuma chance do garoto treinar hoje.

Alguns minutos depois, tendo desistido de tentar alongar o quadril de Leandrinho, o fisioterapeuta nos leva escadas acima para uma bicicleta ergométrica. Sofrendo até para subir os degraus, as esperanças são poucas. Ele não pode nem sequer pedalar a bicicleta. Ainge está conosco mas olha para a quadra e os donos da equipe ali embaixo. Eu posso estar errado, mas parece que ele está chateado pelo fato de que o treino não vai acontecer.

Adiantando mais algumas horas, estamos de volta ao hotel. Leandrinho está chorando. Enquanto ele não mostrou nenhuma emoção durante a tentativa de treinamento, ele desaba pensando em sua maré de má-sorte. O maldito quadril não coopera com seus sonhos. As coisas nunca são tão ruins quanto parecem, entretanto nesse momento as coisas estão muito feias. Nós telefonamos para Arturo. Num verdadeiro espírito militar, ele encoraja seu irmão mais novo a esforçar-se com as palavras eu vim, eu vi e venci. Muito choro depois, o grupo está revigorado para seguir adiante.

Nós estamos outra vez em Cleveland. Fazer o quadril de Leandrinho voltar a funcionar é a prioridade número um e mais uma vez Arturo está no telefone com Ivete no Brasil. Eu não sou familiarizado com a discussão, mas em poucos minutos, Arturo está na cozinha preparando alguns remédios caseiros. Eu decido dar o fora.

Quando eu volto, há uma grande bacia de pipoca e um papelão para ovos. Arturo me pede uma galinha viva. Na situação em que eu estou, acho melhor não fazer perguntas. Se nós precisamos de uma galinha viva para fazer as coisas acontecerem, assim seja. Sempre tive uma fraqueza por soluções médicas homeopáticas, ciência moderna que se dane. Se uma galinha viva pode ajudar a curar um quadril, vamos lá, baby! Assim, eu saio de trem em direção ao famoso West Side Market, de Cleveland, enquanto dançam pela minha cabeça cenas do filme "Sorte no Amor (Bull Durham)".